Ele chora, o coração ?

Por destino,
fico imaginando uma estrada,
uma estrada em cuja margem alguém depositou
um pergaminho, e nesse pergaminho, já amarelecido
e gasto pelo tempo, a história de duas vidas,
histórias diferentes, de meandros diversos,
assim como diversas foram as tentativas,
alegrias e dissabores ...
Pode ser que seja uma dessas, onde a gente
anda, anda, e sempre está sózinho,
mas também pode ser daquelas que, em um
ponto determinado, longe ou perto, sejam
capazes de atingir tal grau de convergência
que nem mesmo a rotina, com sua ação maldosa,
fria e calculista, possa atenuar ...
Penso em nós como quem, à beira de um lago
cristalino, deitado enxerga as nuvens num céu azul e,
ao voltar a ficar em pé contempla seu próprio rosto nas
águas claras.Então, embevecido pelo momento,
baixinho formula um desejo ... o desejo de um coração
que busca, mas não consegue ter, num confuso emaranhado
de pensamentos ...
Prefiro, então, dormir, sonhar, mesmo sabendo que, ao
acordar, tudo isso vai voltar,
como retornam, abruptos aqueles sentimentos que nos
vão calando aos poucos na alma,
assim como se acredita que a chuva que se inicia mansa
é prenúncio de longevidade, mas não é perene,
porque nada nem ninguém o é, embora nós,
teimosamente queiramos que o seja, num sonho doce
muito próprio dos homens e suas fantasias ...
Queria estar em você, para saber que caminhos toma teu
coração enquanto te escapam dos lábios
gargalhadas carregadas de sarcasmo.
Ele chora, o coração ? Ele ri, como você ?
Ou é mais um coração de mulher que,
pelos mais estranhso desígnios da sorte
mais uma vez se vê apaixonada, e aí, com seus
botões e mistérios, espera seja a última de tantas,
tantas que tão fácilmente caíram nos teus braços,
tantas que sem qualquer dificuldade, caíram aos teus pés ...?
Queria eu ser você, estar em você nesses momentos,
para poder saber, com fireza e exatidão,
de forma consciente e satisfatória, a minha exata dimensão
na tua vida, quem somos nós nos teus pensamentos,
pois assim como uma pedra que arremesso no lago forma
círculos que se expandem e irradiam,
também posso ser a mesma pedra, só que jogada para o alto,
em direção ao céu, que da mesma maneira como subiu,
em segundos retorna ao solo,
humilhada e impotente diante de sua insignificância e
total incapacidade de permanecer lá em cima.
Não quero o topo, não quero os patamares mais altos,
porque não preciso mais aprender a amar, pois eu sei
amar, apenas quero alguém que me recicle essa capacidade
latente e inquieta, que volte a me ensinar passo a passo
dos que dei até hoje em busca da felicidade, tão difícil de
atingir, mas que, sabemos nós, por um simples trilhar
diferente, por uma singela mudança de rumo, pode ou não ser
alcançada.
É assim que me sinto,
e mesmo que nada além de expectativa venha a ocorrer
entre você e eu, rogo que estas palavras fiquem,
guardadas pelo tempo, esquecidas talvez na maior parte
dos teus dias,
mas recordadas naquelas horas difícieis que, infelizmente,
todos temos de atravessar.

São Gabriel, 2001