SIMULAÇÃO E LUDÍBRIO

SIMULAÇÃO E LUDÍBRIO
 
Quando te conheci, eras tão esquiva;
Exagerada, até, no teu pudor.
Esse olhar vago, perde-se, à deriva:
Mostra-se triste, ausente e sofredor...
 
Apareces um pouco abruptamente,
Por outrem, colocada em meu caminho.
Eu tinha o coração muito doente,
Incapaz de aceitar qualquer carinho...
 
Juras-te loucamente apaixonada,
O que eu duvido, pois mal me conheces.
Falarás a verdade? Ou é cilada?
Podes não ser aquilo que pareces...
 
Soube, pouco depois, daquele drama
Que te bateu à porta, e tive dó!
Como entendi, então, a dor humana!
Muito deves sofrer... E talvez só!
 
Era-me tão difícil dar-te amor,
Pois o meu... fracassara, nessa altura.
Ninguém possa acusar-me de impostor,
Por conceder-te um pouco de ternura...
 
Tentei corresponder ao que dizias
Vir do teu coração, ardentemente.
Algo me segredava que mentias,
E não perdia nada em ser prudente...
 
Bem tentas demonstrar sinceridade
Nas palavras, bem mais que nas acções!
Depressa conheci certa verdade:
Eras enigma de contradições...
 
Não te guardo quaisquer recentimentos,
Pois cada um seguiu o seu caminho.
Puseste mesmo à prova estes talentos,
Buscando levar água ao teu moinho...
 
A tua lealdade era impostura;
E contigo, joguei sempre à defesa.
Simulações, mentiras, tanta jura,
Que eu tolerava, por delicadeza...
 
Lançaste as redes, à tua maneira:
Eu seria um refúgio: um bom marido!
Irias compensar minha cegueira,
Ficando teu problema resolvido.
                                                            
 
 
 
Fingi desconhecer estes projectos,
Porém não aceitei compensações.
Talvez fosse melhor estarmos quietos,
Para evitar futuras decepções...
 
Há falta de um melhor, eu serviria
Para tapar buracos, caladinho.
Minha atitude, cada vez mais fria,
Começa a desmanchar-te esse arranjinho...
 
E, quando descobriste outra rival,
Redobra de vigor a tua luta:
Tinhas de conquistar-me, bem ou mal;
Nunca te vi assim, tão resoluta!
 
Tomas a dianteira, nas carícias;
Eu, corresponde, quase espectador.
Qual de ambos sentiria mais delícias?!
O entusiasmo, nunca foi amor...
 
Deitaste fora a máscara, pequena,
Entrando enfim, na guerra declarada.
Simular, para quê? Não vale a pena:
Tens de jogar agora o tudo ou nada...
 
Perdido o desafio, Deus te deu sorte,
Longe daqui, numa terra estrangeira.
Não precisas fingir: podes ser forte;
E, já sem peias, bem mais verdadeira...
 
Juravas ver em mim compreensão;
E eu tinha-a; só não existia amor.
É tão rebelde o nosso coração...
Mas, para ti, assim foi bem melhor...
 
Sempre encontraste alguém nesse país,
Que não te pediu contas do passado;
Acabas, afinal, por ser feliz,
E eu, sem remorsos, estou realizado...
 
Jamais consigo amar, sem convivência;
E, quando o faço, existe convicção.
Apenas os conselhos da prudência
Evitaram que eu fosse no balão...
 
 
                                                         07-05-77

FRANCISCO MEDEIROS QUARTA
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