Saturação e Vácuo

SATURAÇÃO E VÁCUO    
 
O ser humano é muito complicado:
Distingue-o dos demais a inteligência.
Contente, agora, logo amargurado,
Sabe ser meigo e usar a violência.
 
Quando ama e tem ciúmes, é capaz
De matar um irmão, a sangue-frio.
Um crime, a mais ou menos, tanto faz.
É no desafrontar que sente brio.
 
Constrói cadeias, casas, hospitais.
Fabrica bombas, para destruir.
Deixa morrer à fume os seus iguais,
E às vezes chora, ao vê-los sucumbir.
 
Que enorme disparate eu ter nascido!
Vim enfrentar a luta quotidiana.
Por tudo o que me tem acontecido,
Não posso bendizer a raça humana!
 
Fiz-me homem; cometi uma imprudência:
Acedi ao prazer de procriar.
Sentindo ao meu redor tanta carência,
Terei forçosamente que afundar…
 
Há quem me chame agreste e pessimista;
Mas procuro encarar tudo de frente.
Não haverá decerto quem resista
À vil descontracção com que se mente!
 
Quero o divórcio, já, honestidade.
Enganaste-me. O mundo é dos vampiros!
Fecharei os ouvidos à verdade;
Quanto à razão, ignoro os seus suspiros!
 
A mim, velhacos; quero ser do bando.
Procurarei seguir-vos as lições.
Esta honradez me está decepcionando.
Contai comigo, pulhas, aldrabões!
 
Forcei-me a sufocar a consciência,
Que brada aos meus ouvidos: -tem cuidado!
Não quero ouvi-la, e perco a paciência;
Lutei muito, sozinho! Estou cansado!
 
Se todos me enganaram, também eu
Tenho o mesmo direito, pois então!
Veio o génio do mal, que me perdeu;
E talvez já não haja salvação!
 
Fraca alimentação; pouca saúde!
Higiene? Eis um sonho decadente!
Não podemos nutrir-nos de virtude,
E quase nem tomar um banho quente!
 
Trabalhar todo o dia, numa empresa,
Mostrando boa cara a toda a gente,
Hoje é muito difícil, com certeza,
Pois nos exploram, sempre impunemente!
 
Bem poucas vezes se olha a competências;
Estas são suplantadas por padrinhos.
Necessidades, fazem mais carências,
E destas nascem grandes burburinhos!
 
Que me importa a pobreza do país?
A minha, sim; dá muito que pensar!
Vou lá acreditar no que me diz,
Quem leva o seu mandato a passear!
 
Neste casebre morre alguém, sem pão!
Faltou dinheiro, para se curar!
Piscinas quentes vi, num casarão,
Onde os donos da terra irão folgar…
 
Não é inveja; é sede de justiça
Que fez de mim um ser tão revoltado.
Que mau cristão me sinto, ao ir à missa,
Pois volto, sem me ter modificado!
 
Pedir mais sacrifícios, mansidão,
A quem só isso faz, no dia a dia,
È mesmo convidá-lo a ser ladrão,
Por não suportar mais a carestia!
 
Num planeta em que reina a confusão,
Ninguém se entende, é lógico afirmar.
Aniquilada a força da razão,
Lancei as garras: quero trucidar!...
 
            23-7-1984

FRANCISCO MEDEIROS QUARTA
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