Outono Obscuro

Sinto-me inútil, porque a minha vida
Caminha, sem qualquer razão de ser;
É quase voluntária esta clausura!
Foram-se as ilusões! De fé perdida,
Entrego-me! Não há nada a fazer!
Sinistra, a solidão que me tortura…
 
Com insónias, privado do trabalho,
Nefando pesadelo, o dia a dia,
Envolto em cruéis horas de inacção!
Daí a conclusão que nada valho:
Desânimo jamais é cobardia,
Se inutilmente busco a solução…
 
Pior do que eu, existe muita gente;
Contudo cada um sabe de si;
Tal facto não me serve de conforto!
As chagas doem mais a quem as sente…
E, se lamento, agora, o que perdi,
Decerto não o faço por desporto…
 
Enquanto te servi, Comunidade,
Pus todo o meu saber ao teu dispor,
Embora sem nadar em abundância.
Não há justiça nesta sociedade:
A miséria calada causa dor,
Menosprezada pela petulância!
 
Que foi de mim, ao longo destes anos?
Estive ocupado; ao menos… trabalhei!
Sentindo a mais completa integração!
Criei amigos; tive desenganos;
Contraí matrimónio; procriei;
Era o rumo normal de um cidadão…
 
Tomei parte na luta quotidiana,
Nela pus sempre toda a lealdade,
O que me causou muitos dissabores.
Vou criando rancor a quem me engana;
Declarei guerra à torpe falsidade,
Mas só impera a lei dos opressores! …
 
Deixei alguns amigos além-mar,
Que recordo, saudoso, ternamente:
A eles falo e escrevo, muitas vezes!
Meu sonho: esta amizade conservar,
Chego a ter num ou noutro um confidente,
Que me ajuda a sofrer tantos reveses…


 
Nascem os filhos; e as dificuldades
Aumentam sempre, com a carestia,
Que ninguém trava, em marcha galopante.
Não oculto: passei necessidades!
Mas a doce consorte anestesia
Minha enorme revolta, a cada instante…
 
Poucos amigos tenho; a culpa é minha?
Talvez; contudo, gosto de escolher
A rigor; não me serve qualquer um!
Quando nos damos, nunca se adivinha
O que depois nos pode suceder;
Pois se não são leais… antes nenhum!
 
Todos sabem, porém, que a convivência
Faz tanta falta aos homens, como o pão;
Talvez eu não a saiba cultivar…
Sofro tremendamente esta carência,
Pois ferrolhei-me em negra solidão,
Da qual jamais me posso libertar!
 
Nas rudes contingências que há na vida,
Aumentam as misérias dos mortais,
Cujos dentes não param de ranger!
Pela força, a razão morre, vencida!
Entram em desespero os pobres pais,
Com filhos que precisam de viver!....
 
Já por isso passei; mas trabalhava!
Via no dia a dia algum sentido.
Agora… a minha casa é uma prisão!
Com os colegas, impressões trocava…
O meu segundo lar foi destruído,
E ninguém resistiu ao furacão!
 
Descendentes criados, bem ou mal,
Dei-lhes tudo o que tinha, foi bem pouco…
Mas julgo ter cumprido o meu dever!
Fustigado por este vendaval,
Aqui, sem fazer nada, vivo louco:
Pode alguém tal problema resolver?!...
 
A solidariedade reconforta;
Ajuda um pouco a suportar a dor,
Neste transe difícil que ora passo.
Não acredito me abram uma porta.
Fisicamente, tenho algum vigor;
Mas só vegeto, e amargo o meu fracasso!

Depois de tantos anos de labuta,
Terei ficado inválido, agora?!...
Isto dói muito a um profissional!
Circunstâncias perversas, nesta luta,
Venceram-me! Mas pergunto, sem demora:
A quem devo acusar de tanto mal?!...

29-04-2006

FRANCISCO MEDEIROS QUARTA
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