Um poema passa assobiando sob meu cabelo, como numa estranha possessão zombeteira. Não consigo retê-lo, não fica comigo: ele se multiplica e ganha a amplidão traiçoeira e silenciosamente; e deixa só na minha mente, fluindo, fugindo, flutuando no vento, sua risada maldita; e se eu tento contar, ninguém acredita.

É assim todo instante, não é justo!

Às vezes eu pego o poema no susto, e carrego o meliante pelo último verso, e impeço a evasão colando o fanfarrão no papel-prisão. Mas o bicho é astuto (muito! muito!), e num feitiço de transmutação se apresenta diverso, mestiço, sem-graça (daquele que não alimenta nem traça); e eu olho pra ele, vertendo ironia, e não entendo: isso lá é poesia que se faça?

Mais uma folha que amasso e ponho fora, que sina!

E já vou-me embora (tenho escolha?), quando a risada ferina volta a ecoar pelo espaço, petulante, inconseqüente, em revolta assassina, delinqüente. Eu persigo o poema recalcitrante, abro os braços, saltito, danço, reflito, me canso (ah, cansaço inimigo!), faço, desfaço, refaço, desisto: sossego.

(Um dia eu ainda o pego desprevenido e transcrevo...)

E caso consiga vencer essa intriga a que me atrevo, você há de ver: o poema perseguido faz a briga valer...