ENGENHO DE RAPADURA

Quem conhece o meu sertão,
Também já ouviu falar
Numa coisa barulhenta
Que tem pras bandas de lá,
É o engenho de rapadura,
Que agora eu quero falar.

Esse engenho que eu conheço
É da década de cinqüenta:
De produção limitada,
Mas até hoje contenta
Quem tem pequena moagem,
Porque só pequena agüenta.

Às duas horas da manhã
Já começa o fornalheiro:
Tem que ativar a caldeira,
- Ele é quem chega primeiro -
Pra gerar força motriz
Pras moendas o dia inteiro.

Da caldeira sai a cilha
Até uma roda alisada
Enorme, lá nas moendas,
Em uma delas acoplada,
Que movimenta mais duas
Com suas pontas dentadas.

As moendas são em três:
Uma gira ao contrário
E duas giram a favor
Do eterno fuso horário,
Servem pra moer a cana
De cada proprietário.

A cana lá é chegada
No lombo de animais,
- Tombada por cortadores -
O cambiteiro é quem traz,
O moendeiro “alimenta”,
As moendas pedem mais.

Da cana sai a garapa
Que corre por uma calha
Pra outro compartimento,
Onde um parol lhe agasalha
Para alimentar os tanques,
Rápido, senão atrapalha!

Pra aquecer tanques e tachos
Trabalha o boca-de-forno
Que, atiçando a fornalha,
Seu corpo até fica morno
E só agüenta porque
O fogo não dá retorno.

Mas voltando ao processo
De apuração da garapa,
O caldeireiro entra em cena
Pra cumprir a sua etapa,
São três tanques ao seu dispor
Com temperatura alta.

Ele usa a cal em pó
Senão a garapa entorna
E ajuda a tirar a sujeira
Toda em forma de tiborna,
Que é comida de porco,
Que gosta, come e engorda.

O caldeireiro e o mestre
Trabalham com passadeiras,
Que são bandas de cabaço
Numa vara de madeira;
Também preparam o melaço
Da tiborna derradeira.

No preparo do melaço,
A tiborna é esquentada
Até chagar à fervura
Nos tachos, de madrugada,
E servir de alimento
Pra engordar a manada.

No terceiro tanque, a garapa
Já começa a engrossar,
É quando o “tinhoso” mestre
Sua ação vai começar
A parte mais delicada,
Que é saber o ponto dar.

Mas, antes de dar o ponto,
Três tachos também maneja,
Lá a quentura é tão grande
Que os olhos lacrimejam,
Mas tem tudo ele de cor
O que faz, nem pestaneja.

Para aprontar o mel
E controlar a fervura,
Ele usa algum produto
E a espuma segura,
Sendo que o mais usado
É a cera de carnaúba.

A cal e a cera usadas
Na garapa enquanto apura,
Têm um outro objetivo,
Digo com toda lisura:
É encascar e dar brilho
A uma ótima rapadura.

No último tacho, então,
O ponto é dado afinal,
É quando o “cacheador”
Aproxima-se com um pau,
Suspendem o tacho no ar
E levam à parte final.

O mestre é quem dá também
Ponto de mel pra batida,
Que recebe o seu tempero:
Cravo-da-índia, na medida,
Pra servir de guloseima
- Rapadura embranquecida -.

Antes da parte final
Já nas gamelas, enfim,
O mel grosso é passado
Em cana raspada, sim,
Pra servir de puxa-puxa
E dar um bom alfenim.

Mas, logo o “cacheador”
Mexe o mel inda em fervura
Com três palhetas de pau
Até a liga ficar dura,
Para depois colocá-la
Nas formas de rapadura.

Autor: José Rosendo

Nazarezinho, 12 de agosto de 2006