Nome e Arturo: quando a desgraça salva a arte

[...]

- Eu entendo, sei como é.

- Sabe? Já viveu nas rua? Pela minha vivença, pela minha experiença, se viveu, é um homem de muita força, porque entrá na rua é fácil, mas sai…

- Não! Sempre tive um teto para onde voltar, graças a Deus.

- É, Deus gosta de gente assim: limpo, alinhado, falando as palavra certa.

A inquietação de Arturo aumenta, ele está enjoado, ansioso para voltar para casa, tomar um longo banho, trocar toda a roupa.

- Fique tranquilo, não se aborreça, eu voltarei noutro dia e, então, conversaremos sobre rua, fome, amigos, Deus…, qualquer assunto do seu interesse.

Nome examina seus gestos e seu nervosismo, com o desdém dos ociosos experientes.

Arturo, temendo alguma contrariedade súbita, se apressa ainda mais. De repente sentiu vergonha dos passantes. Teria algum de seus conhecidos o visto com aquela aberração?

- Nossa! São quase 10 horas, estou atrasado. E, por favor! Fique tranquilo. Não ande por aí me descrevendo, tentando me encontrar, pois, como eu disse, esse é um atalho por onde passo com frequência. Pode até demorar, mas, com certeza, nos encontraremos novamente, e com tempo para um café. Prometo.

Estou pensando: se Arturo fosse um artista de verdade, teria passado mais tempo com Nome, voltaria à noite. Aí, sim!… Mas meu conto é sobre um vigarista e um pseudobobo. Então, termina assim:

- Não se preocupe, moço, isso fica entre nós. Só me diga, seu nome. Qual sua desgraça mesmo?

- Minha graça? Meu nome?…

- É. Isso mesmo: sua graça.

- Wessellyn. Com W, dois S’s, dois L’s, Y e dois N’s no final.

- UES - SE — LIM?

- Sim, isso mesmo. É bonito, sonoro, fácil de lembrar, escrever e falar: Ouça! UESSElimmm?!… UÉ, Selimmm!…

- Posso chama de Dotô Ué?

- Sim, sim! Pode ser: Doutor Ué, ou Doutor Selim… Sem problemas.

Nome baixa a cabeça com ares de ironia: “É cada doido! Caralho! Uesselim?… Caralho! Essa vai pra roda. O sobrenome deve ser Guidão. Isso embaraça minha mente. Por que diabos uma mãe dá um nome desses pro filho? Imagine só: Senhoras e Senhores, com vocês, o renomado fotógrafo de bêbados e vagabundos: Uesselim Guidão!˜.
Arturo, Nome e Amaparado não voltaram a se encontrar. O autoproclamado artista prosseguiu com seu figurino airoso, suas feições plásticas, seu aspecto pedante e sua arrogância pseudofotográfica. Ele passará os próximos anos em busca de outros Nomes. “Como não tinha pensado nesse nicho antes?”. Sua busca se torna obsessiva, ele divaga por grandes centros, chegando a becos e biqueiras, ignorando os riscos comuns a um intruso desconhecido em determinadas comunidades, embora sempre disfarçando sua imagem e identidade, ansioso por encontrá-los fodidos, nas condições mais deploráveis possíveis. Quem sabe uma viúva doente com seus filhos problemáticos; um pai bêbado e violento, uma mãe psicótica, banguela, cheia de hematomas… Gente abundante e fácil de achar.

E eu me pergunto: “Como ele, um desgraçado, não os tinha observado antes?”. Porque, sim: isso fez o seu nome. O SEU NOME: ARTURO!”. 
 Seis meses após aquela típica manhã de inverno, um proeminente fotógrafo era aclamado pela sensibilidade e originalidade observadas nas imagens que integravam sua exposição no distinto Dom Raila.

Arturo concede entrevistas, é visto, comentado e festejado no meio artístico, sendo incapaz de perceber quando um homem elegante e discreto se aproxima de uma das curadoras do salão.

- Senhora, esta tela é comovente. É fascinante ver o reflexo do artista na água, a correnteza do rio em harmonia com os movimentos frenéticos de seu corpo; uma coreografia intimista na qual a sabedoria contrasta com a miséria dos demais elementos, principalmente do desconhecido e seu cão. Sem dúvida, uma composição transbordante de sensibilidade artística. É como a sinto. Belíssima imagem! Ficarei com ela.

- Talvez se interesse por outras fotografias?

- Não. Somente esta, somente esta.

[…]

- É um bonito cão.

- Sim, ele é belíssimo!

Nome e Arturo: quando a desgraça salva a arte é um conto inspirado em situações reais comuns no meio artístico.

Penha, Santa Catarina

Du Zai
© Todos os direitos reservados