Eu queria dar uma interruptada no interruptor

 

Eu queria ser a Mulher Elástico. Só para não ter que levantar da cama e apagar a luz. Eu esticaria os braços e daria uma interruptada no interruptor.
Vocês estão rindo de quê? Sei que usei uma redundância. Mas, não é do pleonasmo que estão rindo? Sim, sei... estão rindo do neologismo? Foi de propósito... Só para me vingar daquele professor, autoritário, que disse, que não poderíamos sair por aí, inventando palavras ... E que embora fôssemos favelados, ninguém ali era Cartola.
Que raiva me deu... Não do neologismo, mas da aluna, que dentro de sua palestra, foi vituperada por usar um termo que não constava no dicionário. Foi envergonhada na frente de todos, não se defendeu e ainda pediu desculpas subservientemente, como uma cachorrinha acuada no canto da sala.
Eu tentei defendê-la, de tão humilhada que estava, mas ela e a turma ainda ficaram contra mim.... Uma gente covarde, com medo de levar zero, bando de puxa saco, limitados em paradigmas ferrenhos!
Saí de fininho pelos corredores da UERJ, eu não me encaixava no grupo, fui chorar sozinha, num corredor escuro, onde a luz não penetrava as trevas da ignorância.
Outro dia postei um texto que classifiquei como poesia. Um de meus alunos, que já está na faculdade, colocou embaixo da postagem que aquilo não era poesia, pois não tinha métrica e nem tônica na última sílaba do verso. Caraca! Imediatamente me lembrei daquele professor da UERJ. Só que agora os papeis estavam invertidos. Era o aluno que me chamava na xinxa. Acho que descontei nele toda a frustração daquele dia fatídico. Tudo o que estava encarcerado da memória ressurgiu. O que estava preso na garganta reverberou e tudo veio à tona. Imediatamente, enviei-lhe uma resposta malcriada. Ele que estava saindo das fraldas do Ensino Médio, já estava se sentido com autoridade para me consertar; que o texto era meu e eu o classificava de acordo com a minha vontade.
Em poucos minutos ele me excluiu dos seus contatos.
E eu... que gostava tanto dele.
Hoje, refletindo melhor, sobre tudo o que aconteceu, fico pensando, se vale a pena, perder amigos, por conta de pleonasmos, neologismos ou métricas de poemas...
Não aprendemos nada! A palavra existe para o entendimento entre os homens.
Mas, prestemos atenção no fato, de que a palavra está em constante mudança, tudo está em movimento, vamos parar com essa besteira, de que se não está no dicionário não vale.
O Dicionarista não inventou palavras, compilou-as. As palavras existem e se reinventam na necessidade de dizê-las, na precisão das relações e nas novas práticas sociais que se estabelecem. A palavra é criada sempre que necessária. E quando não temos a ousadia de inventá-las restringimos-nos a usar termos por assimilação, tornando a comunicação dúbia, cambeta, imprópria.
Tem gente que não concorda, eu sei disso, "tem que ter norma, regra, senão a gente se perde."
Por falta de atrevimento é que nos empurram pela goela: mezzanino, backup, pen drive, marketing, lingerie, black Friday...
E é por falta de criatividade, que até hoje, o bule tem bico, embarcamos no avião, o alfinete tem cabeça,o rosto tem maçã, a perna tem batata, a boca tem céu.
Usar neologismo é uma chiqueza, um luxo! E dentro desse chiquetismo não seria muito melhor avionarmos do que embarcarmos no avião?
Saiamos desse paradigma elitista de que só intelectuais podem inventar palavras. Se a palavra tem sentido, tá valendo.


Selma Nardacci

Selma Nardacci dos Reis
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