Ontem eu estava terrível! Com o senso crítico a flor da pele, de onde me fugia toda a Antropologia que tanto ensinei aos alunos. Viajei até Cordeiro, não sei se isso pode se chamar viagem, mas foi. Pelo Caminho, fui tentando respirar o ar, de toda a vegetação através da janela do carro, com vidros semiabertos, desejando que a força do pensamento, trouxesse alguma essência daquelas plantas e árvores, algo que me servisse de lenitivo pelos poros a dentro.
Estacionar em Cordeiro virou uma saga, somos obrigados a deixar os piscas ligados, e quando nos distraímos, lá vem uma multa. Já levei uma dessas, atrasada para o consultório médico; e não adianta recorrer, contando historinhas, porque a multa vem do mesmo jeito.
De certo modo, foi bom sair de casa, mesmo de mal humor. Fiquei lembrando Ubaldo Ribeiro, obrigado a escrever para os jornais e dando uma volta no calçadão de sua cidade para olhar pessoas , acontecimentos, algo que lhe desse boas idéias para texto.
Depois de resolver as pendências, hora do almoço. Pedi ao Itarny que visitássemos um restaurante novo, para experimentarmos sabores diferentes. O lugar era bonito, com telhado alto e parede de tijolinhos. A comida estava soberba de gostosa. Ameacei meu sobrinho guloso, que não comesse mais de meio quilo, senão, ele que iria pagar a conta. Foi uma rasteira didática, para que eu não passasse vergonha, com aqueles pratos derramando feijão pelas bordas; inibir, aquela fome de camelo, que parece que o mundo vai acabar. Ele obedeceu e comeu devagar desejando que a comida rendesse.
Durante o almoço dei uma olhada nas paredes do restaurante, deparei com a pintura de Maria de Nazaré, com a fisionomia tão triste, que quase me tirou a fome. Pronto! Achei algo que não me agradasse, algo que eu pudesse confabular e recriminar a falta do bom senso alheio.
Na hora de acertar as contas, o dono do restaurante, que estava no caixa, perguntou se estava tudo a gosto. Respondi que, tirando o quadro, tristonho, de Maria, todas as outras coisas estavam boas. Ele ficou surpreso, explicando que era evangélico, mas que ali existiam católicos e que ele não tinha nenhum problema em ter Maria por perto. Expliquei-lhe que não eram os dogmas, ou o que cada um achava sobre Maria, mas era porque ela estava tão triste que estava atrapalhando o meu apetite.
Saí dali sem culpa. Talvez outras pessoas já tivessem sentido o mesmo. Se fosse um restaurante de convento, tudo bem, mas não era. Cada coisa no seu lugar.
Eu estava mesmo terrível! Com o senso crítico a flor da pele, de onde me fugia toda a Antropologia que ensinei aos alunos.
Selma Nardacci
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