Se pudesse eu te daria dois amanhãs,
um para que vivesse as coisas dos outros,
o dólar, a renúncia, o estupro, a guerrilha urbana,
a música que aflige os ouvidos, a tinta fresca da perdição,
a sociedade que baila a sinfonia da loucura,
a miscigenação, o arrastão, o preconceito,
os partidos partidos, os tempos idos,
a bala que se perde em sua direção;
esse amanhã seria o mesmo que recebe o padeiro,
o ator, o músico, a mãe, o homem que salta do prédio,
o porteiro, a amante insaciável, o grafiteiro,
o que escreve poesia, o que lê poesia,
nem que for por instante dentro do dia...
Te devolveria o amanhã que sempre foi seu,
que tua alma anuncia a teu corpo
quando se vê sem manchas na frente do televisor,
quando escreves (e tão bem!) teu poemas,
o amanhã cheio de dúvidas que te pertencem,
sem as certezas das máquinas de dinheiro,
te devolveria o olhar que perdeste na rua,
(não voltaste para buscar),
agradeceria por poder te devolver
o abraço que me deste quando envelheci,
te lembraria quando fostes mãe pela primeira vez,
te devolveria o que sempre foi seu,
o mesmo rústico sentimento,
como fosse uma simples flor,
te devolveria o que sempre foi seu,
todo o meu amor...
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