REFLEXO
 
 
 
 
Qdo me sinto só,
olho para o interior de mim
como se olha o mar depois da tempestade
passo a mão sobre o pensamento,
como cego, os dedos sobre braille,
e nos altos e baixos da vida
apalpo o relevo das coisas
… e o pôr-do-sol ofusca a minha visão.
 
Então,
corro para o espelho
na esperança de enganar o meu olhar:
Empino o nariz,
aliso o cabelo,
olho nos olhos,
os olhos do espelho
que me olham nos meus
… e dizem-me que não gostam do que vêem.
 
Decepcionado,
fico a meditar nos olhos que vêem as coisas,
as coisas que os olhos vêem por fora
sem as olhar por dentro:
O fato impecável,
o sapato de verniz,
a plástica que disfarça o cansaço,
o pó que encobre as rugas e engana os olhos
dos olhos que olham por fora
sem olharem por dentro.
 
 
 
 
Confuso,
regresso ao espelho,
aliso de novo o cabelo,
ajeito o nó da gravata,
incho o peito… e sorrio.
 
Agora,
mais belo do que nunca,
ponho-me em bico de pés,
encosto o peito ao reflexo
que se encosta a mim
e desafio a dizer-me
se vê alguém por fora,
que se veja tão bem qto eu
no meu boneco  acabado de retocar,
ao que o espelho me responde:
- Efectivamente,
no teu reflexo retocado
pareces pessoa importante
mas se olhares os meus olhos
e os fixares bem
verás na verdade
o que os meus olhos vêem
e aos teus não convém:
Vaidade.
Apenas Vaidade!
 
 
 
 
 
 
 
 

santos silva
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