A FESTA!
 
 
 
 
 
A Besta apronta-se: estica o tronco,
eleva-se na ponta dos pés,
levanta os braços em arco,
segura os ferros na ponta dos dedos,
desafia com o seu olhar, o olhar da vitima,
baixa ligeiramente os braços,
corre ao seu encontro
e no momento da reunião,
levanta os ferros
e com um salto
crava-os no dorso da vítima
que num esgar de dor,
sangra sobre a arena da tortura
sem fazer a mínima ideia do motivo
de tão feroz ataque.
 
Ufano
a besta rejubila pelo seu feito
e em pose superior,
retira-se em passo de bailado mariconso,
virando as costas à vitima,
reclamando da maralha delirante
o prémio por tao grande feito.
 
Levanta-se a maralha alucinada
e dá uivos de alegria
aplaudindo freneticamente a arte de malfazer.
 
Na bancada,
o sol ilumina o rosto da turba em delírio
e fica espantado
com a barbárie indiferente
no sorriso demente
de quem aplaude fascinado.
 
É a arte no seu pior
ao serviço da maralha!
 
E sem que ninguém lhe valha,
o sangue jorra no dorso do inocente
e os seus olhos vidrados denunciam cansaço e medo.
 
Mas a arte de mal fazer não lhe dá tréguas.
 
Agora,
avança o peão de brega
e coloca a vítima no ponto fatal,
para que nova farpa se crave no dorso do animal.
 
Caem flores na arena
e a vitima entorpecida,
recorda as flores que o viram crescer… e não percebe.
Não percebe o porquê das flores da planície
lançadas na sua dor,
quando sempre as teve como amigas
nas corridas da sua meninice.
 
Mas o momento é de crise e não há tempo a perder.
Não há tempo para filosofias; há que surpreender a besta,
porque esta revela engenho e arte na arte de malfazer.
 
A vítima pressente o próximo golpe
e lembra-se das tropelias de menino
qdo brincava às marradas com os seus companheiros:
Lembra-se dos esses e zig-zagues,
dos afundamentos e travões
para evitar as investidas amigáveis dos irmãos
e dos truques que inventava
para fugir à vara do campino
que o queria no curral
qdo lhe apetecia mais de sol da planície.
 
Já a besta se prepara para nova investida.
Desta vez gritou: éh touro, éh,
éh touro
e pôs-se novamente em bico de pés.
 
Cansado,
no seu olhar vidrado
o touro voltou-se para a besta,
e raspou na areia a sua mão direita.
Repete uma, duas vezes,
olhou de novo para a besta
e baixou os cornos.
A besta investiu na sua direcção,
elevou-se na ponta dos pés e saltou
como fizera tantas vezes.
Desta vez,
a vítima levanta os cornos e faz um esse,
esquiva-se ao golpe,
roda a cabeça
e enfia uma ponta no cú da besta,
que se vê no ar como folha de papel em dia de tempestade
e cai na arena da vergonha
encolhendo-se num esgar de dor.
 
Um bruaá percorreu a bancada
e a maralha deita as mãos à cabeça e estica o pescoço
enquanto o sol
que ilumina o rosto dos atarantados
espanta-se por ver tanto bruaá ensombrado!
 
Mas a vítima não dá tréguas à besta.
 
Investe sobre ela com toda a fúria e raiva
e corneia-a uma, duas, três vezes
fazendo-a rodopiar no ar até se estatelar de novo na arena,
antes dos peões de brega acorrerem.
 
Levanta-se a besta, cambaleando
e caminha,
desta vez,
não em passo de bailado presunçoso,
mas, em passo arrastado e pesado de animal ferido,
agora
amparado pelos forcados.
 
A maralha mantém-se na expectativa:
agita-se,
diz que sim,
diz que não e por fim decide-se,
batendo palmas: Glória à besta em dia de festa.
 
Epílogo:
 
A vítima é arrastada na arena
e terá como destino o matadouro.
 
O artista terá como destino o hospital.
(sorte da besta)
 
A maralha regressa a casa
e aguarda a próxima festa.
 
 

 

 

santos silva
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