Eu ia me matar. Eu Augusto Pereira Sales, o poeta-escrivão, autor de sucessos literários rasteiros, ia me matar, por um punhado de coisas, entre amor e fama. Sai da minha casa a fim de comprar um punhado de chumbinho. Sim, eu sei, não é uma morte elegante, mas digo-vos que não foi a primeira tentativa, mas a corda arrebentou antes do serviço feito, por isso me decidi pelos venenos, afinal, são quase infalíveis. Pensei em cianureto…mas a soma do meu ordenado não me permite esse luxo, por isso, chumbinho. Que é adequado ao rato que sou.
Na mercearia tem uma nova atendente, parece que Seu Manoel resolveu tirar umas folgas com a esposa e contratou uma guria. E é uma guria linda: - Muitos ratos em casa?- Ela perguntou, e que voz a dela- Ao que parece só um, mas dou cabo dele!- respondi. “Se não fosse o suicídio, seria uma boa me aproximar dela”, pensei.
Voltando, pela habitual Rua da República, viu um enorme cão de rua, a umas duas quadras de mim. Eu, que não sou amado pelos cães, tratei de entrar na Rua do Exército e pegar a Rua da Liberdade, paralela a Rua da República, e seguir para casa. Quadro casas depois achei o motivo de escrever esse texto…e de não me ter matado.
De uma caixa de papelão me miou um anjo. Ele era negro, como um gato de bruxa, seus olhos verdes intensos me deram esperança quando os olhei. A razão logo me disse: “Não, tu vais a se matar, deixa o bichano ai”. Cheguei a me levantar e seguir, mas o anjinho me miou: “Nhau!” e eu, criado com gatos por toda a infância entendi. Me dizia: “Não!”, talvez até: “Não me deixes!”. O trouxe para casa.
Cada vez que eu o olhava, mais desistia do suicídio, e quando cheguei em casa já era ideia velha. Chamei-o de Tobias, que em Hebraico quer dizer: “O Senhor é bom!” Nada sei desse tal de “Senhor”, mas talvez ele seja bom o suficiente para salvar-me de mim mesmo.
No dia seguinte voltei à mercearia, não para comprar mais chumbinho (joguei no vaso o que tinha comprado), mas para comprar leite, areia para gato e ração. A moça me perguntou pelo rato, lhe disse que resolveria o problema do rato com um gato, e ela, animando-se, pediu-me a permissão de vê-lo, disse-me que sempre quis ter um, mas que a mãe os odiava, e por isso, nunca teve um, mas desejava muito. Marcamos às seis da tarde na minha casa. Ela disse que se chama Glória. Um nome tão lindo quando a dona.
Glória veio às seis. Não só aquele dia, mas todos os que se seguiram na semana. Acabamos por ficar amigos. Convidei-a para almoçar no domingo, para jantar na segunda, e no prazo de um mês, éramos namorados.
Certa vez falei com ela sobre meu plano de matar-me, e ao ouvir, não torceu a face. Me disse que era bem comum, até normal, e, acariciando meus cabelos, falou de destino. Eu concordei, e agradeci o destino que tive. De poeta da ralé a suicida, de suicida a dono e namorado feliz. Sim existe a tal roda da fortuna. E os gatos não tem só sete vidas, tem oito, sendo que a oitava nos dão.
Hélio H. Lombardo
22/07/2013
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