Recupero-me da queda de ontem. Assombrada ainda com o impacto do meu corpo no meio-fio. Boca sangrando lágrimas. Afinal, onde doi mais? Permaneço olhando o teto branco de gelo, que derrete e molha a minha nudez. Meu corpo desfalece e, por uma eternidade de duas horas e quinze minutos, sente apenas o que foi o calor que aquecia este planeta de seis metros quadrados que eu chamava de santuário. Não sei se o que ouço é música. São ruídos que vêm da rua e é provável que seja efeito ainda da overdose de abraços que chegavam de surpresa. Meu corpo levanta e caminha até a sala, mas sinto que estou deitada e presa neste lugar sendo banhada aos poucos pela água gelada. Observo de longe a minha imobilidade. Chame de saudade quem quiser. De tombo, queda, atropelamento, surra, que seja! Muitas de mim não existem desde ontem. Houve uma chacina. Duas sobreviveram: uma deitada no frio sendo molhada pelo teto que derrete, e outra ensandecida contando as pedras do calçadão de copacabana.

Sandra Fuentes
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