pego o beco descendo
o ciclo solar se fecha
travestis me cercam
e grito silêncio porque são fantasmas

vim da terra do amor sem estar precavido
sou um estranho perdido

procuro os castelos que habitei e que não existem neste mundo
percorro uma linguagem perdida
despenco de um céu sem ar

nasci de um tempo para o qual essa realidade não faz nenhum sentido
a imagem recorrente de gargantas cortadas
anuncia um sono iminente

meu projeto é solitário
onde o eco:

“como não como não como não como não como não
comum comu com-um como não”
não diz absolutamente existência

os ratos se escondem naquele buraco
daquela calçada que não enxergo

tuberculoso morri em algum momento dos anos 20
do século 20
numa idade que muito provavelmente chegara duas vezes aos 20 anos
pederasta barbudo e acabrunhado
derrotado e estrangeiro
imerso em sangue e malograda vontade

a vontade derrotada pela covardia interrompe nosso curso
e essa interrupção nos obriga a um eterno recomeço
nos fazendo imortais e expatriados
como espíritos sem lar

um tiro no ouvido. overdose. pular de um arranha-céu.
beber até a morte. entregar-me aos braços do sedutor inimigo.
lua, céu, sol, flor – aqui estou.
dobro a esquina, acendo um cigarro, sigo em frente.
hoje não dormirei em casa.
 

Martinho Tota
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