CHUVAS E TEMPORAIS ( CONTO)

CHUVAS E TEMPORAIS  ( CONTO)

 

 

temporal anunciado, o céu tingia-se de cinza carregado, nos varais as vestes presas, agitadas num corre corre levantando pó no quintal. redemoinhos brotados do chão em espirais, levantando terra em poeiras.
O alvoroço das galinhas buscando refúgios, mães afoitas com as roupas ameaçando voar levadas pelo vento ensandecido, parecendo ter vidas próprias, sedentas de se libertarem das amarras dos pregadores, dança desritmada, tresloucada.

Imagens fantásticas que chegam quando os sons dos ventos, batendo, uivantes , transportam-me àqueles momentos inesquecíveis. Na ventania, a chegada do minuano feroz. Naquela tela viva, de tons proféticos, apocaliptícos, feito o dilúvio anunciado, tinha um quê de festa, de quebra da monotonia que invadia aquelas vidas plácidas.

Tudo se movia, ganhando agitações frenéticas, o ranger das janelas, portas e portões, tudo revolvido, ameaçado, fora de lugar, revolucionado, contrapondo com a harmonia das coisas estáticas, imóveis, tingindo em outras nuances as cores da paisagem rotineira e maçante daquelas vidas.

Olhos meninos, curiosos, atrevidos, buliçosos, sem atinar riscos e perigos, apenas, tão somente, o gozo pelas sensações trazidas na balbúrdia e temores dos adultos, uma agitação festiva, quebrando a tediosa paz daqueles dias, iguais e modorrentos. No corre-corre, ervas queimadas, Santa Bárbara invocada em preces mal balbuciadas, tremidas, temerosas do desconhecido, manifesto em raios coriscantes e estrondosos, fazendo os animais encolherem-se assustados. Vendavais bem vindos, a adrenalina pulsante na adversa paz de cemitério dominante nas pessoas e  paisagem.

 A água beijava o chão ressequido rescendo cheiro bom de terra suada, evolando nas narinas olores de mato molhado, passava arrastando o que encontrava, vulcão em erupção, em lavas, chuva em lamas. Em bátegas,   impiedosa, encharcava o terreno, furiosa  chocando-se com as paredes da casa, como querendo demolir suas alvenarias e nos por a descoberto. O lar acolhedor, verdadeira barricada contra a borrasca ameaçadora, nos protegia contra as forças do sinistro, trazendo conforto e aconchego, unindo a todos naqueles momentos, como soldados em batalhas em suas trincheiras. Onde os ataques externos, nos confrangiam em temores,e a nossa tática inteligente era a resistência pacífica de  esperar  apenas o inimigo perder  seus ímpetos, como quem descarregasse toda a fúria, até quedar-se aliviado e pacificado, com as armas sem munição.
 
Um chá quente e saboroso para espantar o frio trazido pelas águas, servido com bolachas e manteiga, animava a soldadesca. Restariam seqüelas, talvez algumas aves morressem, galhos quebrados, telhas levantadas, um rescaldo do combate a ser averiguado quando tudo serenasse,  perdia – me, absorto e sério, em cogitações como um general averiguando sua tropa, após sangrento confronto.

As árvores,agitavam suas folhas, vergavam sobre a força do temporal, resistiam bravamente ao tormento travado na natureza. O dia se despedia precoce, tisnado no plúmbeo das horas enevoadas, ausentes as luzes do astro rei.  Meio da tarde, escurecida, noite abreviada.
 Ninguém colocava o pé fora, quem ousaria ?  Sob a condescendência dos adultos, todos anistiados dos deveres de ir à escola, coisa boa, motivos de alegrias mal dissimuladas em faces de falsa insatisfação.
No novo amanhecer, céu azul, límpido de nuvens, terra úmida, sol aquecendo e secando, hora de buscar as pipas, estilingues e bolas de gude, a brincadeira recomeçava...

E da janela, chuviscos amenizados, buscava o guarda-chuvas e, em passos saudosos e meditativos, lograva as ruas, não mais o menino, apenas o adulto pensante de um tempo, onde as chuvas me fazia feliz, hoje, traz-me incômodos...

 

 

TEXTO SELECIONADO PARA FIGURAR NA ANTOLOGIA DE CONTOS FANTÁSTICOS, EDITORA CBJE, RIO DE JANEIRO/RJ - EDIÇÃO JANEIRO 2011