Vivo numa casa de pano pintado d’mar e virada ao vento,
Sempre virada ao vento, mesmo ao tempo hostil do norte,
A maré protesta do interior dos búzios e na casa d’ fronte
Alguém vigia pelos vidros, d’noite e abala quando desperto,
Nem a conheço, nem sei porque escuta nos búzios lá fora,
Talvez deseje algo e não encontre no ermo, o que procura
Ou espere vindo da espiral, algum rumor humano.
Vivo na praia p’ra me fundir nela, deslembrado e lugar-comum,
Se nem música ouço cantar as paredes de papel e pano,
No meu lugar na casa de trapo, sentado em lado nenhum.
Vivo numa casa povoada do assombro das horas tardias,
Escoam-se nas linhas de chuva pingando do telhado,
Conspirando na infinita monotonia de vidas esquecidas,
Na casa ao lado, não sei quem dorme e se levanta cedo,
Pois todas as noites, o desassossego é íntimo da morgue,
Com um bando de morcegos, a entrar e a sair trajado de preto,
De madrugada, cerro as portadas e acautelo do furto,
O refluxo do mar imerso, de quem, com olhos ávidos o persegue.
Vivo numa casa arrendada nos subúrbios e em ruínas,
Jurei lealdade ao senhorio que recebe o arrendamento,
Mas infiltra-se p’las fissuras raios da luz d’outro tempo,
Em que o julgado era mudo e condenado a luz de velas,
Deambulam pelo patíbulo da forca na casa contígua,
Ouço-os berrar numa berraria abafada pela água
Da enxurrada, que corre nas telhas e se torna em oceano,
Eu escuto no escuro, através do muro da casa de pano.
Vivo por aí ao Deus-dará, (sem etiqueta)
Envergando velhos sentidos d’trapo,
Guiado na falta d’vistas, apenas pelo tacto,
Sem morada com vista certa…
Jorge Santos (11/2010)
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