De palavra em palavra,
tudo há de fazer sentido,
naquilo que sai da boca
e nos perfura o ouvido.
Tem inveja a palavra escrita
daquela que é dita,
maldita, bendita
no perfume da voz, na foz do som.
O escritor conforma-se apenas,
no valsar dos olhos do leitor
silencioso, afeito ou não.
A palavra escrita,
selpultada em papel-cartão
e lida em oração metal,
sofrerá a ação do tempo e morrerá,
cobrindo-se de amarelo intenso
a menos que seja dita.
Por isso, tem inveja a palavra escrita
daquela que é dita.
A propósito, a escrita estancada,
presa na tela ou no muro,
amarga o dia duro de solidão.
Cansada do repúdio da visão,
converte-se em outro palavreado,
palavrão, só para chamar a atenção.
Trapaça ou golpe baixo,
agora será mais facilmente dita,
pois irrita-se o ego ao ser tocado
quando o xingamento sai sonoro, fonetizado.
Marcado na memória como mágoa
que água nenhuma lava,
será eterno porque foi dito.
Maldito escrito dito.
Acredito dizer a verdade
travestida em escrita,
para mesmo assim correr o risco
de nunca ser lida em voz alta.
Se bocas não faltassem para dizer
o que escrevo, para nunca deixar morrer
o enlevo de gentileza, que beleza seria!

São Paulo