FAÇA BOA VIAGEM MAMÃE

  
FAÇA BOA VIAGEM MAMÃE
 
 
                Definir a morte seria como buscar nas entranhas do desconhecido a logicidade explicita do rompimento do elo entre o ser ou não ser... Do esquecimento amplo, total e irrestrito de uma partida definitiva sem prévio aviso. De uma viagem não planejada rumo à estação sombria da noite eterna de um planeta chamado vida ou morte!?
               O que seria então a vida? Para nos que temos a liberdade plena de caminhar por campos floridos, ver o amanhecer e entardecer e sentir o aroma da quase felicidade, mesmo quando ainda não é primavera. De nos que já adquirimos o bilhete de passagem da derradeira viagem, mais que ainda não fomos chamados e, por isso ainda não fomos chamado e, por isso não embarcamos, estamos na fila de espera e tentamos de todas as formas evitar a nossa hora e, como inocentes que somos, vivemos a grandeza do inexistente, nos apegamos ao luxo e muitas das vezes, até com o nosso egoísmo, negamos um pouco de felicidade mesmo tendo muito a oferecer.
                   Durante a minha existência, eu vi muitos mortos, entre parentes, amigos e até mesmo desconhecidos, mais nunca havia antes parado para pensar como, porque ocorre e o tempo que se tem. Talvez se nos fosse dado o privilegio de saber a data ou até mesmo marcar  a viagem, teríamos a consciência plena do entendimento para onde iríamos e quem nos iria receber. Seria irônico projetar a trajetória pós vida, quando não conseguimos ainda nem limitar os passos de nossa existência.
              Nos cemitérios para onde são enviados os nossos restos mortais, soterrados ossos, grandes mausoléus entre túmulos simples de pessoas desconhecidas que viveram os nossos dramas de hoje, se contrastam, onde o belo enfrenta a desordem e a poesia relata a fria realidade e, os mais ricos coloridos se ocultam entre as sombras frequentemente ao lado de um drama real, mais igualmente imóvel e silencioso...   O que melhor pode simbolizar uma cabeça pensante!?
               As flores ainda não desabrocharam e o céu estava inundado pela luz brilhante do sol de agosto e dois raios atravessavam o pequeno quintal de ponta a ponta, formando largas faixas de ouro em que brilhavam os filetes como se incrustadas em vidro fossem, mais ela não viria mais o brilho daquela manhã, afinal, o brilho de seu olhar apagara-se... A dor no peito, o ar faltara-lhe nos pulmões e como os grandes guerreiros em tempos de guerra, mortalmente ferida, lentamente despencara rumo ao chão formado por ladrilhos seculares da morada que durante anos lhe servira de lar. A morte lhe sobreveio e o seu pensamento itinerante vagueava naquele instante em reminiscências onde os prazeres da vida se misturavam a dor dos sofrimentos, das decepções e dos desejos jamais realizados e das tragicidades que não se pode evitar. De repente, o espírito solto, leve e que não abrigava mais os sentimentos terrenos, de pé, enxerga o corpo que por quase 90 anos lhe dera abrigo. No colo do filho amado que em lágrimas tentava reanimá-la como se poder tivesse de ressuscitar os mortos... Ela gostaria de falar algo, assim como: agora estou bem, as dores findaram, sou esperada, estou sendo aguardada, não chorem porque hoje eu começo a verdadeiramente a viver. Eu vos deixo para que se cumpram a determinação da grande espiritualidade que vive em nós, mais que para vocês ainda por algum tempo, o nada, o absurdo, a separação, o desconhecido...
                            Entrelaçando em pensamentos mil, a minha mente voa por mundos jamais imaginados e até eu pude ver que não são tão ruins como a indicação de terror que estampa em nossos rostos ao simples pensar que logo todos estaremos no mesmo plano do inexistente, do nada, além-mundo, o elo tênue entre a vida e a morte e nos perguntamos: será que a morte realmente existe ou somente se aloja no recôndito de nossas mentes como vilã da suposta vida ou de um mundo chamado eternidade?
  
 
 
 
 
  
 

AIRTON GONDIM FEITOSA
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