Poema Mudo

É preciso estar doente,
sentar - se à beira das calçadas escuras,
sentir a pele da face suja,
provar da fome que se tem.

É preciso encontrar o Homem onde ele menos diz que se procura.

E nas secas da solidão, eu beber do resto
onde nasce o poema, na calma vazia, da cama vazia
inconstante agonia dos eus que nossa vida suja, profana, procura.

Eu invisto na vida como o samba veste a tristeza.
Cheio de defeitos e verdes de mágoas, promove a alegria,
em um poema sujo, profano, escuro.
Faz jaz aos meus mitos que não são pra explicar as origens do mundo.

Meu poema mudo.

Com todo respeito, Sophia,
você saberia onde enraízo a alegria?
Você sabe aonde vai meu violão vadio?

Você apenas passa, por onde passa
e não passa mais, pois eu a escuto,
naquele cinema mudo.
Que a vida muda, pára e grita ao som dos ouvidos surdos
do velho cego Rei.

Sente Sophia, a filarmônica dos fariseus
e afasta de nós a fila da espera da vida, Sophia
e kant comigo este verso último
pois eu a escuto,
sentado na origem do mundo,
aonde passa o velho cego, calado e surdo.

Mudo, meu poema mudo.

Ricardo Abdala
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