NATAL, PALAVRAS E OBRAS
Estamos fartos, cristãos, Humanidade,
De sepulcros caiados, sem amor!
Falsos arautos da Fraternidade
E paz. Como nos manda o Salvador…
Com pompa, ides trocar prendas, abraços,
Fazer visitas por obrigação:
Chegando ao Carnaval, virais palhaços…
Mas cada um, agora, é nosso irmão!
Despejai os armários, desses trapos:
Ide calar a boca aos pobrezinhos!
Se chafurdam na lama, e engolem sapos,
Migalhas vão deixá-los caladinhos!
Com essa generosa e nobre acção,
Decerto ganhareis um bom troféu!
Tal “caridade” é digna de um cristão.
Sem purgatório, ireis entrar no Céu…
Levareis um descalço à vossa mesa?!
Nem tanto! Deus não é tão exigente!
Um bolito, um sorriso, com certeza,
Bastará para o verdes bem contente…
Coitados! Rezaremos, numa igreja,
Por eles, que talvez Deus lhes acuda!
Caridade?! Só conta a que se veja,
Porque, assim como assim, isto não muda!
Repicam sinos: trazem alegria;
Embora fria, a noite é sem igual!
Manda o bom senso: neste santo dia,
Somos todos irmãos: feliz natal!
Numa aparente paz, em toda a terra,
Por umas horas, cessam os canhões!
Mas, amanhã, já pode vir a guerra:
Uma a uma, destruam-se as nações!
Se Deus vê tudo, sem radiografias,
Tal como o catecismo nos ensina,
Que tens, a mais, natal, que os outros dias,
Se o vil dinheiro a ti também domina!?...
Não podem desmentir-me, nem os crentes:
Dura, a realidade constatada!
Naquela casa, montes de presentes;
E, mesmo ali ao lado, outra, sem nada!
É pecado buscar, na confusão,
Toda a verdade, sem hipocrisias?!
Saibamos, lealmente, dizer não
Aos tartufos, que espalham heresias!
Como homem, Cristo nasceu, uma só vez;
Lembre, quem creia, o Seu aniversário.
Volvidos tempos, vem um outro mês:
Choramos Sua morte… no calvário!
Com várias festas, comemorações,
Burlamos a feroz monotonia!
Do berço à tumba, boas intenções…
Vence-nos sempre o stress, a letargia…
Cristãos, ateus, sois todos raça humana:
O mundo é vosso, após o nascimento.
Tenham os nossos filhos fofa cama…
E os enteados?! Durmam ao relento!
Visitamos cadeias, hospitais,
Levando a quem lá vive algum conforto;
No outro dia, quem os lembra mais?!
Ninguém… tudo passou… for só desporto…
Volta a rotina, a dor, o desengano…
O pão, que falta, a eterna carestia!
Que pena um só natal, em cada ano!
Todos os dias, bem melhor seria!...
Que mágoa e desconforto; que tristeza!
Vivemos, duvidosos, servilmente!
Mistérios? Vácuo? Fé? Só na incerteza
Vai balouçando a nossa pobre gente!...
Desanimado, envolto em pessimismo,
Fruto da quotidiana frustração,
Desejo-vos, do fundo deste abismo,
O mais feliz natal; mas, sem ficção!...
Francisco Medeiros Quarta
25-12-1993
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