QUEIXUME DOS OPRIMIDOS

            QUEIXUME DOS OPRIMIDOS
 
Que fome é esta, mãe? Frite-me um ovo!...
Gemia, tiritando, uma criança.
Quem como tu nasceu, filha do povo…
À míngua morrerá… não há mudança!
 
Trabalho tanto! Sinto-me esgotada!
Tenho os pés esfolados, do caminho!
Isso que importa, filha? Não é nada…
O pobre há-de sofrer, sempre… sozinho!...
 
De casa ao meu emprego é tão distante!
E como eu gostaria de estudar!
Deliras; vê-se bem, no teu semblante!
Só temos um direito: o de sonhar…
 
Caí de cama, ai! Que dor tão forte!
Preciso urgentemente de um doutor!
Antes dele talvez te chegue a morte…
Encomenda-te a Deus Nosso Senhor!
 
Que significará ser solidário?...
É sugar, gota a gota, o semelhante.
Enquanto se congela o seu salário,
Galopa a carestia exorbitante.
 
Sucedem-se comícios, assembleias,
Promessas duma vida bem melhor.
Nas discussões, baralham-se as ideias,
Culpamos sempre o nosso antecessor…
 
Afirmam ser difícil governar;
Possivelmente falam com razão!
Que paradoxo: para lá chegar,
Quantas vezes se mata o próprio irmão!
 
Neste mundo ninguém quer ser pequeno;
Dar ordens sempre foi nosso prazer!
Sabemos que o cigarro é um veneno;
Porém deixá-lo? Nunca! Antes morrer!...
 
Mas… quem era a doente que morria
À míngua? Todos nós, praticamente!
Miséria, o nosso pão de cada dia:
Morre-se a trabalhar, sempre indigente!
 
Onde há força moral para dizer:
Tenhamos paciência; é pouco o pão!
Levem-me à vossa mesa: quero ver
O que tereis aí, por refeição…
 
Desmascaremos já, mas bem de frente,
Os que à fome darão cabo de nós.
Calarmo-nos, com medo dessa gente?...
Isso fizeram já nossos avós!
 
Abandonado e triste, lá num canto,
Quantas casas já fez? Perdeu-lhe a conta!...
Aquele pobre velho enxuga o pranto:
Nem um conforto amigo! Mas que afronta!
 
Juntando a esta a fome, sempre a fome,
A torturar-lhe o resto dos sues dias!
Sabe a penúria o pão, que já nem come!...
Gela-o mais o desdém… que as noites frias!...
 
Uma senhora rica e aperaltada,
Que é esposa dum ministro ou presidente,
Murmura, mastigando uma torrada:
- Que pena tenho desta pobre gente!...
 
E delambida, tira da bandeja,
A bocejar, um copo de licor;
-Hoje não me apetece ir à igreja…
Que Deus desculpe! Morro de calor!...
 
Hipócrita! Mudasse a tua vida,
E davas mais apreço à dor alheia!
Se os oprimidos fossem classe unida,
Comias, mais amarga, essa geleia…
 
Amigos: lastimar, pouco adianta!
Passemos ao ataque, e sem demora!
Gritemos, sem mordaças na garganta:
-Sanguessugas do povo, é nossa a hora!...
 
            24-7-1984

FRANCISCO MEDEIROS QUARTA
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