(claro, ouvindo Renato Russo...que me inspirou essa poesia, e também Paulinha Toller, em 15 de agosto de 2005. Muito deprimido.)

Venha, meu coração está com pressa, porque
hoje meus medos me assaltaram todos, sabe?
e me sinto morrer a cada segundo
desse chato dia sem fim...

***
Quando a guerra se faz dentro de mim
e sei então que já estou definitivamente perdido,
quando a esperança é mentira, pura conversa,
quando as histórias não têm mais meio
e nem começo,

quando meus dedos não apontam mais pra lua
tremendo de emoção na madrugada
e meus olhos não marejam mais ao ver
uma folha de mato--brabo orvalhada
rutilante ao primeiro sol,

quando meu hálito lembra a morte cotidiana
e o gosto de sal e pimenta se foi de vez
da minha boca e da min’alma,

eu preciso de você.

Quando as misérias do mundo
entrevistas na carne-viva da televisão
já não me tiram mais o sono e nem me abalam
e a chuva me irrita muito, e nem saio mais pra terra
pra me ensopar nas tempestades de verão,

quando fecho a janela pra noite enluarada
e me planto no centro do quarto, na escuridão
sem estrelas, sem a brisa,
sem insetos, sem nada, e deixo
de gargalhar pros meus pesadelos,

e os fantasmas, solitários como eu,
como eu encimesmados,
já nem me consolam mais,

eu preciso de você.

Quando as pequenas coisas que faço -
o meu café da manhã, com pão quentinho,
uma muda plantada ao entardecer, na sombrinha,
um limão-galego colhido e chupado
já não me dizem nada, nada significam,

quando esqueço do meu cão
e nem me importo mais com a correria feliz,
seus afagos, seus latidos,
suas brincadeiras,
sua amizade

é que esvaziei. Fiquei troncho.
E um oco, um vácuo, me invade, e eu viro nada,
sou só um casaco velho pendurado...

É que eu preciso de você.

Ah, querida! A tormenta já se abate na minh’alma,
os sons meus ficam nivelados, baços, inertes,
e as cores, essas não respingam mais na minha pele,
e não me lambuzo mais com os vermelhos e brancos
e amarelos e lilases do teu mundo diferente.

E o mar da Rasa, a casa do Celacanto,
a minha pátria selvagem e mais amada,
vira uma poça d’água cinza-chumbo
tenebrosa, hostil, neutra, inimiga
aos meus olhos perdidos,

e o que escrevo perde o sentido e o humor,
perde completamente a graça
vira lugar-comum...

...porque eu preciso de você.

Fernando Naxcimento
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