(ouvindo Renato Russo, como sempre. 31.08.2005 – aniversãrio da Amélia)

Sou metal, sou barro,
sou o curumim-da-areia
da Rasa praia onde vivo...

Eu sou barro terroso, e sempre fui burro
pras coisas do amor – coração de aço,
crânio de marshmellow, voz de pidão pedinte
quando as crises vão já além das dobras
do teu seio redondo, por detrás de teu vestidinho
de bolas e estrelas....

(Quase que acreditei que era gente, uma vez.
Mas sou um asno, sou de ferro, fígado de manteiga,
pulmões de fogo e fuligem, quando me irrito
contigo.)

Existe um anjo em minha couraça, sabes?
Mas existe um diabo, também. Um bicho-ruim,
um descrente, asceta anacoreta pilantra
que desdiz pras rochas e colunas imensas
tudo aquilo que aprendeu no sopro
do seu pai, o Dragão Noturno.

E vomita
esse amargo na boca, o fel que o envenena
cotidianamente, e tudo aquilo
que consumiu, junto aos camaleões
e lobos-do-mar, em suas caminhadas p’lo deserto
da Rasa praia, solitário, cabisbaixo,
sem ti, querida...

Por isso, não suma, não desapareça...
E não esmoreça, não desista:

A estupidez que me destrói sempre se findará
na palma da tua mão,
na concha de teu sorriso maroto,
no hálito fugaz do teu suspiro,
no olhar teu certeiro de visgo,
aí dentro dessa íris espelhada,
minha querida...

Sou metal, sou ferro, sou aço, sou burro, sim,
sou crânio-de-marshmellow.
Gritos & Perdigotos eu sou. E fel.

Mas também posso sempre ser chocolate,
posso ser mel silvestre
e talvez morangos vermelhíssimos com creme-branco
e uma folhinha de hortelã-do-mato
e café fresco, forte e quentinho com torradas-de-manteiga-derretida,
um cobertor-parahyba,
se assim o quiseres, minha querida,
um som do bom ao fundo,
se ainda assim me quiseres
p’r’alguma serventia–

A porta da casa mágica continua aberta, nessa noite fria,
E sempre estará. Mesmo agora, o fogo bruxuleia
dentro de mim, e me incendeia por você...

Acredita em mim, moça, que tudo é possível
cá p’ro teu celacanto. Acredita que inda há tempo...
E que tudo isso passa, tudo passará someday
nesse fim-de-mundo... Vem então, p’ra começar, nesse segundo,

tu e teu peixe-antigo
a viver o resto melhor
dos nossos dias...

Declaração descarada de amor do Celacanto pra minha mulher brigona - a minha Jo de risada cristalina, cabelos cobrinha e olhos verde-visgo...

Praia Rasa, Búzios, à tardinha - êta hora boa pra escrever poesia!...

Fernando Naxcimento
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