"Ternura e remorso enchiam-lhe a essa altura o espírito..."

"Ternura e remorso enchiam-lhe a essa altura o espírito..."

“ (...) Então, com um brusco manejo da tesoura ela cortou o ramalhete de clematite, que caiu no chão. Ao cair, trouxe junto sem dúvida um pouco de luz também, permitindo penetrar ainda mais em sua vida e pessoa. Ternura e remorso enchiam-lhe a essa altura o espírito... Podar um ramo que crescera demais a entristecia, porque nele houvera vida e a vida lhe era cara. Sim e, ao mesmo tempo, a queda do ramo sugeria que ela também haveria de morrer, que tudo era futilidade e evanescência das coisas. E mais uma vez então, agarrando-se a essa ideia com seu bom senso instantâneo, ela pensou que a vida a tinha tratado bem; sua queda, ainda que inevitável, seria para jazer na terra e suavemente apodrecer nas raízes das violetas. Assim pois, ali em pé, ela ficou pensando. Sem formular qualquer ideia precisa – porque era uma dessas pessoas cujas mentes têm pensamentos enredados em nuvens de silêncio –,  via-se  repleta de ideias. Sua mente era como sua sala, na qual as luzes avançavam e retrocediam, fazendo piruetas, dando passos delicados, desdobrando caudas e abrindo espaços a bicadas; todo seu ser era banhado, como de novo a própria sala, pela nuvem de algum pensamento profundo, algum lamento não expresso, e ela se via então cheia de gavetas trancadas, recheada de cartas como seus armários. Falar de “abri-la à força” como se ela fosse uma ostra, aplicar-lhe qualquer ferramenta que não a mais maleável, a mais afiada e penetrante, seria absurdo e ímpio. Era preciso imaginar – ei-la que aparecia no espelho. E isso causava um sobressalto.”


Virginia Woolf – A Dama no Espelho: Reflexo e Reflexão. 

Eloisa Alves
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