Ari era um belo rapaz, corpo bem distribuído, escultural, sedutor e falastrão, por boquirroto inibia Ana de se entregar a ele, temia cair na boca do povo, quase certa de ser alvo de falatórios levianos caso cedesse. O que tinha em beleza de deus grego também o era na sua infantilidade narcísica. Nas vezes em que se encontravam, sempre com outras pessoas, transpareciam nos olhares a sintonia sensualizada, a química de corpos que se desejam. Assim ambos suspiravam nas intenções, sem se aproximarem. A jovem tinha um desejo ardente pelo rapagão, continha-se para reprimir seus ímpetos. Como moravam na mesma comunidade, mantinham um refreado comportamento, mal dissimulado. A atração era recíproca, ambos sedentos um pelo outro, contudo o julgamento do vulgo, acrescida da exacerbada vaidade masculina de proclamar ao léu suas conquistas, a impedia de concretizar seu intento de se deitar com ele. Ciosa de seu valor, era mais ela, não apenas mais uma para elencar o rol das enamoradas daquele conquistador. Personagem de seus sonhos eróticos, tinha-os e os cultivava secretamente sem melindres ou falsos pudores “se eles podem, por que não nós, as mulheres?” Assim pensava ao se auto acariciar buscando o êxtase libidinoso, momentos em que em seu imaginário deleitava-se com ele. Crescia nela a necessidade daquele encontro cada vez mais difícil de reprimir, farol vermelho, quanto maior a tentação mais se policiava. Tinha que domar a si mesma, sem, contudo, pretender abrir mão da experiência acalentada. Como materializar sua paixão sem correr riscos de ficar mal falada nas conversas entre gracejos nos botecos? Hábil, começou a arquitetar um plano de realizar seus intentos, explorando o lado mais exibicionista da vítima, sua propagada virilidade. Corria entre a rapaziada a fama de devorador de corações e amante insuperável, aumentando a curiosidade da desejosa. Exibia suas conquistas como troféus e dono de inúmeros corações femininos a seus pés. Ela, por sua vez, bela e insinuante, tinha seu séquito de fãs desejosos em tê-la em seus braços, razão do interesse em especial dele, que, em sua empáfia, acreditava ser questão de tempo para incluí-la em sua orgulhosa e comentada coleção; quanto mais cobiçada a conquista maior a tentação em vencê-la...
Ardilosa, Ana elaborava seu plano de estar com ele, sem riscos para a sua reputação. Meticulosa, como se estudasse a psicologia da vítima, preparava o cadafalso do fanfarrão, daria cordas para o pescoço do desejado, o atingiria em seu idolatrado mérito de sedutor, mantê-lo-ia em silêncio mesmo sendo permissiva a ele, para tal tinha que ter astúcia, entregar-se como presa e prendê-lo como refém de sua própria vaidade... Todas caíam de quatro pelo bonitão, ela queria inverter a situação, pô-lo aos seus pés, dominá-lo e mantê-lo cativo. Não queria um relacionamento sério, prolongado, não se atinha a isso, apenas o desejava, pretendia experimentá-lo com a voluptuosidade com que os machos demonstram pelas fêmeas. Nisso levava vantagem, não o amava, assim não se entregaria de coração, a atração era física, questão de pele. O leito seria uma arena, onde, no sexo, exporiam suas armas lascívas, duelo prazeroso, medição de forças e de poder. Enquanto ele pensasse que a desfrutava, o usaria para seus fetiches ocultos, deleites presumidos e ardentemente sonhados. Para tal sabia que não poderia aparentar passividade, seria a maestrina da orquestra, permissiva sem demonstrar a posse dele sobre ela, compartilhar sem abrir mão do controle da situação. Mesmo curtindo a transa deveria aparentar-se insaciada, tomar as iniciativas, conduzir e não ser conduzida. Para tanto deveria ser dela o convite e não dele, bem como toda a direção do coito. E mais, em hipótese alguma mostrar-se saciada, ferindo os brios e inoculando no imaginário do parceiro a desconfiança aonde mais se vangloriava, deveria esgotá-lo à exaustão, e demonstrar sutilmente certa apatia com a performance dele, insinuar, sem verbalizar, algo como “esperava mais”, não pronunciado, subentendido. As ações dosadas a colocariam como protagonista e não coadjuvante, menos como frígida ou indiferente. Torná-lo vulnerável diante a sua autoimagem, de maneira a inibir comentários, confidenciando seu fracasso, revelar-se frágil onde ostentava fortaleza. Sábio o ditado popular, o peixe morre pela boca, assim seria o desfecho pretendido pela maquiavélica e astuta mulher.
Levá-lo para as quatro paredes foi simples, como se estivesse habituado aos convites delas por ele, não foi diferente o roteiro traçado em como dominá-lo e a execução do plano. Senhor de si e de suas conquistas, não poderia se imaginar enredado em uma teia de dúvidas e da qual não sairia psicologicamente ileso daquela aventura. Caía como uma mosca em ardil da aranha predadora, vitimado na autoestima de macho. Pretendendo, como habitualmente acostumado, ser o dono das ocorrências, viu-se dominado por ela em cada movimento, sem lhe ouvir um suspiro de satisfação ( o que fazia com férrea disciplina, pois estava estonteada de gozo), antes possuidora de uma fome insaciável, ainda que se valendo de sua língua vibrante visitando seus lábios vaginais, não a sentia rendida na relação, fazendo-o aborrecido em sua incapacidade de finalizar com os esperados louros aquela transa ( embora ela gozasse, e muito, com tudo aquilo!), de mastro baixo, vela arriada e estafado, parecia um boxeador derrotado no ringue, vencido em todos os rounds e a olhando disposta para mais alguns "assaltos", viu-se humilhado e desejoso de sumir daquele quarto como quem quer acordar de um pesadelo...
Depois, ao avistá-la no dia-a-dia, se esquivava com obsequioso respeito ( ou temor) de ser desafiado para uma revanche... O certo é que não era mais visto em rodas de amigos contando suas façanhas, talvez inibido de ser objeto de zombarias ( será que ela confidenciou a terceiros seu malbaratado desempenho ? Na dúvida, não se expunha mais.)
O esquema foi exitoso, exceto por não ter as repetições ansiadas por ela, pretendia tê-lo, domesticado, sempre que o desejasse. O deus desceu de seu pedestal do panteão à sua humílima condição de mortal; parecia ter perdido o viço de seu orgulho e não mais ousou insinuar-se. Queria usá-lo mais algumas vezes, contudo, o possível receio do fracasso arrefeceu-lhe os ânimos, castrando novas tentativas; dizem que gato escaldado tem medo da água fria. Ele passou a evitá-la, tomando distância quando eventualmente se encontravam, possivelmente a presença dela era a lembrança amarga de seu malogro. Saudosa daquela transa, pensava consigo mesma, “assustei o garanhão, acho que exagerei na dose, o cara é mesmo um gostosão desfrutável”...
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