LEMBREI-ME
Sentei-me, lembrei-me do saltar ao eixo
de jogar à corda, ao chicote queimado
de dar e levar porrada, de ir aos ninhos
de ir aos grilos, roubar ervilhas
aos pomares roubar fruta
e de perseguido, à sacholada
de jogar à bola, de chegar a casa e levar dobrada
porém, de fugir à escola não castigado
- estória alongada-
o professor dizia que eu era bom aluno
eu não queria saber de nada
para meu pai trabalhava
não havia a filosofia do trabalho infantil
trabalho que eu fazia para ele do baril
que em Fátima se vendia
juntamente com cera prós milagres!

Ena tantos!

Agora , parece que menos
talvez a senhora já cansada!

Eu trabalhava, trabalhava, mas já cidades,
com suas ruas escuras e claras visitava!

À noite, estudava
aprendi outras falas
soube doutras terras
doutros costumes
doutros deuses
da filosofia que há só um Deus
descobrindo que cada um tem o seu!

Estudava raízes da criação
algumas já podres
outras que a caminho vão
que foram verdades, mas agora não
feitas por muito aldrabão
em tempos de escuridão

Amigos acreditavam em tudo
eu já não
nem no amor de qualquer namorada

Na missa, o padre pregava
eu não ouvia nada
via que não fazia o que dizia
e depressa detestei hipocrisia

De missas fugia e a meus pais mentia

Continuei a trabalhar, a estudar
a dar asas a meus sonhos, para voar
e voei, por continentes passeei meus espantos
e fui tronco, dei rebentos
fui e sou feliz
tendo-me tenho sempre o que quero
do que me falta não sinto falta
pois, se tanto já vi
se tanto já fiz:
capitão duma equipa de futebol
coordenador de trabalhadores
promotor de eventos culturais e recreativos
presidente de associações
político
autor de livros
centenas de artigos na imprensa nacional
presente em mais de vinte coletâneas de poesia
vencedor de sessões de PoetrySlam
e Vice-Campeão nacional
possuidor duma casa,
dum quintal e dum jardim
com as flores de meus netos
com seus maravilhosos perfumes
nada me falta para ser feliz, e sou.

Tive amizades, sofri rejeições, tudo normal
por diferentes sentires
como diferentes batidas dos corações.

Sentei-me, lembrei-me
de meus pais e amigos recordado

Continuo, até que um dia
de mim, alguém de mim lembrado
dum menino, feito homem
que não quer que por nada o tomem
pois sou como rajada de vento
que muda a qualquer momento
e tudo eroda e
do tudo que foi ninguém se recorda
pois que desertos são feitos
por montanhas, em areias desfeitas!

Sentei-me, disto lembrei-me

Agora, quando vejo uma criança
nela me vejo e desejo que tenha asas
para que seus sonhos possam voar!
e que não deixe ninguém
seus sonhos amarrar!

Levanta voo.

Leva-me contigo.

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Silvino Taveira Machado Figueiredo
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