FALANDO DE DEUS

(em resposta a um poema da minha amiga Cecilia Rodrigues))



Sabes, a minha fé, não leva a Deus
Plo menos no conceito que lhe dão;
Se ele comanda tudo lá dos Céus
Deixou o livre-arbítrio aos filhos seus
Sabendo que ia ter desilusão?

Sabia Ele o "buraco" em que metia
Toda a humanidade a vida inteira?
Que o homem tantos crimes mostraria
E guerras? Ódios? Mortes... uma razia
Bem junto ao Seu olhar, à Sua beira?

Se não sabia, não é Omnisciente.
E perde já aí uma qualidade...
Não pôde mais? Não é Omnipotente;
E vê-Lhe perecer a casta gente
Mantendo alguns crueis longevidade.

Teria o nosso Deus sido um incauto
Sem ter pesado as Suas equações?
Mas não devia ser Ele um arauto
Primando plos caminhos por que pauto
Ou seja encher de amor os corações?

E pode ser um Deus tão distraído
Se - dizem - tudo vê e sabe tudo?
E anda assim o homem envolvido
Em lutas, guerras, ódios sem sentido,
Que lhe dominam n'alma o conteúdo?

Amiga, não vou "lá", a um Deus tal,
Com atributos tais, que não os vejo...
Bom infinitamente? Mas o Mal
Consente que se espalhe; e infernal
A vida se transforma de sobejo.

Se o Deus for essa força que comanda
Porém toda ela enigma, o Universo,
Qual vento faz mover quando ciranda
E leva duma banda à outra banda
Como eu te levo a ti um conto, um verso,

Se o Deus for harmonia pelo espaço
Mantendo imensos astros na distância
De nunca colidirem num abraço,
Como eu nesta distância não o faço
A ti... e mando só esta fragrância...

... a mesma que uma flor a nós exala
Quando pra nós sorri de algum jardim,
Se o Deus for um respeito que me cala
Vendo o que não entendo e páro a fala,
Se o Deus de que me falas for assim,

Aí talvez medite... aí eu penso...
Sem nunca atingir grandes deduções;
Pois inda me confunde o que é imenso
A seres limitados eu pertenço
E espero do pensamento evoluções.

Quem sabe até se existe simbiose
Entre infinito espaço e tempo igual?
Dizia o pensador (*) e não se goze:
"Será que houve começo?" Que se ouse
Dizer "sempre existiu tudo afinal..."

E só limitações como inda temos
Na pouca evolução do pensamento,
Nos faz não entender... e num Deus cremos,
Como esse Criador do que sabemos
Haver no imenso Céu neste momento.

Joaquim Sustelo

(*) refiro-me a Bertrand Russell

Joaquim M. A. Sustelo
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