Carta à Juventude

O infinito dos céus
Não brinda sempre as estrelas.
A palma que afia os espinhos
Há de te alcançar.
Cuides a não te tornares ímpio,
E deixar a força do intelecto
Deduzir do teu coração
A radiação do amor e da fé,
E os sonhos te sejam utopias.
 
O som do mar
Não soa sempre ameno.
O brado que orquestra vagalhões
Há de te alcançar.
Cuides a não te perderes em ondas
Que te ensurdeça aos areais,
E tuas realizações já sejam mortas.
 
O sumo do jardim
Não veste sempre a flor.
O gelo que apascenta a geada
Há de te alcançar.
Cuides a não te perderes em neve
Que te oculte o olor matinal,
E o arbítrio te seja clausura.  
 
O calor do sol,
Não brilha sempre os campos.
A sombra que brota o fel
Há de te alcançar.
Cuides a não te perderes em amargor
Que te suste o sabor da vida,
E o gosto da morte te seja doce
 
A cor do vento
Não sopra sempre o azul.
O cinza que cinzela a tempestade
Há de te alcançar.
Cuides a não te perderes em tormentas
Que te cegue aos horizontes,
E teu olhar finde quebrantado no ocaso.
 
Ouças a fauna, gorjeies com as aves
Plantes um jardim, cheires as rosas
Toques as estrelas, o céu é o limite
Proves o mel, pintes doce a vida
 
Olhai com carinho as faces humildes,
Rugosas e carcomidas pelos anos.
O tempo há de te alcançar.
Cuides a não ser ignoto da experiência,
Pois os livros te dão lustrosa sabedoria,
Mas não secretam as dores dos dissabores
Que dão a vida o manejar que apura,
E a bonança te seja póstuma. 
 
Reflitais sobre os jazigos,
Eles guardam restos mortais.
Cuide a não te calares a alma,
Grite à flora, aos céus, aos mares.
Seduzas as tormentas beijes o santelmo,
Vivas amores e dores na carne, sejas esperança.
Deixe que te xinguem poeta, rejas o motejo,
Cante a loucura das paixões, em verso ou prosa.
A alma vive na essência além dos jazigos,
Plena, azul, louca, fulgurante além dos céus.

Adriano J Santos
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