Recordações de minha infância na roça (dois)

Fui menino de sorte, morei num lugar lindo de mais.
Era um sitio com mangueirais, terra fértil para plantar,
Minha casa no pé do morro, água boa para se banhar,
Em volta um grande pomar, e a lavoura de cafezais,
Um terreiro bem grande, pras festas juninas rezar.
 
Sala grande mesa de cedro rosa e uma paixão,
O pai reunia a família e tirava um dedo de prosa,
Seus cabelos prateados brilhavam sob a luz do lampião
Chão de terra batida, um bule de café quente no fogão.
Apertada no peito a viola, ponteava uma linda canção.
 
Lá tinha um mangueirão, e uma pequena hortinha.
Porco na ceva, no terreiro, angolas, patos e galinhas.
Uma bela junta de bois, e um carroção bem reforçado,
Um cavalo bom de cela, que dava duro no arado,
No sábado papai ia pra cidade, vender o que tinha colhido.
 
Bem cedo,o galo cantava,fazia contente a tarefa de casa.
No fundo do sitio um Corguinho, que não esqueço jamais,
No calor eu me refrescava e matava a sede dos animais,
À tarde tratava dos porcos, apartava os bezerros no corral,
Mamãe colhia ovos, eu, terminava o dia brincando no quintal.
 
Do outro lado do rio moravam primos queridos pra mim
Filhos de tio João e tia Ana, contavam estórias sem iguais,
Nas noites lindas de luar, contavam causos de assombração,
Saci perere, mula sem cabeça, estórias sensacionais,
Lá vivia Maria Rosa, menina faceira que era a minha ilusão.
 
Sinto saudades daqueles tempos, chega a doer no coração,
Lembranças do meu passado, da lavoura de cafezais,
Carreador orlado de mangueiras, jabuticabas e mamão,
Hoje o Corguinho quase seco, derrama lagrimas de emoção,
Pede socorro, quase morto, sufocado pelos canaviais.
 
Hoje com idade madura, vejo com tristeza este lugar.
Da velha tulha de café, só restam pequenos sinais,
Ficaram perdidos no tempo em memórias sem iguais.
O trilho onde eu passava, com a merenda pros meus pais,
Feitas no fogão de lenha, que também já não existe mais.