Quem sabe eu fui feliz

Quem sabe eu fui feliz
 
Quem sabe eu fui feliz.
Verti meus sonhos em cadernos e rabiscos,
também sei que além de neve
temos o inebriante desejo
de recomeço febril.
 
Tambores de onze horas,
onde superior à escrita
é o entendimento,
e o torpor da magia
é o cós da paixão.
 
Amar urgentemente
ainda que com calma.
 
Suar ardentemente
ainda que com medo.
 
Beijar sofridamente
ainda que esperante.
 
Chorar febrilmente
ainda que de alegria,
ou alívio.
 
Bem. Está tudo acertado entre a gente.
Pode levar as minhas gentilezas,
pois não mais me terá valia.
 
Quem sabe eu fui feliz...
 
Leve também aquela minha estranha mania
de acariciar-lhe a face
e cuspir nos pés do destino.
 
Guarde na bolsa o branco dos meus dentes,
o rouco de minha voz pela manhã,
o pouco da minha alegria pela carícia forçada,
o roto espantar da desilusão.
 
O recuo dos mares quando em ondas arrebentam.
O canto dos bens-te-vi pela tardezinha.
O cheiro de chuva e brisa gélida
que nos questionava os corpos quentes.
As quaisquer taças de vinho que tomamos
e nos embebedamos com fugaz alegria.
 
Quem sabe eu fui feliz...
 
As noites escuras e sombrias.
O medo do sobrenatural
onde os abraços eram mais apertados e demorados.
As histórias que deliciavam nossos inimigos.
Leve até as minhas tristezas
que ao seu lado mais tristes são.
Leve também a minha certeza que tudo valeu a pena,
pois tudo foi de dobrada intensidade.
 
O nosso quebra-cabeça corporal,
onde tentávamos as mais variadas pretensões
e gozávamos o resultado.
Tenha dó de mim,
sou apenas um escritor vazio.
 
Quem sabe eu fui feliz...
 
Ah! Leve os pesados encantos de jantar
e dormir sem culpa.
Isso sim pode ter-lhe valia.
Eu não sabia,
por mais que eu tentava te fazer feliz
mais eu me enchia de amor,
enquanto você ficava na fila da alegria.
 
Mas saibas que o que fizestes,
é coisa de quem não ama,
e não cama, e nem drama.
 
Coisa de desavisado.
 
Mas por via das dúvidas
se precisares de mim,
estarei sentado junto à caixa de correio,
sem medo enfrentarei a chuva,
o chão, a noite e as solidões...
 
Por você!
 
Volta pra mim! Devolva-me o calor de minha alma!
 
Quem sabe eu fui feliz...

Carta de um escritor onde ele lembra do amor vivido e pede para a companheira levar tudo que ao amor pertenceu.

Banheiro