Monólogo Desgarrados do céu

Lucinha- Foi assim. Foi assim que tudo acabou. A amizade prevaleceu. Nós vencemos! Dizem que quem atenta contra a própria vida, não vai para o céu. Nós não queríamos, a única coisa que desejávamos era a liberdade. Mentes insanas dentro de um corpo vil. Agora, todos velam o destino numa barreira entre a insanidade e a compreensão. Este mundo só é normal para quem é fraco de idéias, e quem for algo além disso, é encarcerado para um lugar longe deles. As pessoas respondem de viés ao malograr da natureza. As forças telúricas envolvem o nosso tino e nos entrega ao confinamento de quatro paredes e um chão frio. Desgarrados do céu. Até a eternidade meus bons amigos. O mundo só é bonito para os olhos de quem quer vê-lo, eu prefiro ter os meus olhos arrancados por uma faca e sangrados em praça pública, do que aceitar tamanha mediocridade. Só me resta a divagação sobre as portas deste manicômio. Vazio... Vazio. (Lucinha se altera) Isso não pode acabar assim! Como é que tantas pessoas sofrem nas mão de outras pessoas e ninguém se manifesta? (gritando) Mais fácil cada um se trancar em seu lar, assistir ao noticiário e se entristecer com a trágica morte de cinco doentes mentais? E se fosse o filho de vocês?(alterando-se crescentemente) Vocês ficariam sentados e indiferentes? Minha mãe velou meu sono, me amamentou, depois me jogou fora como um pedaço de sebo que não serve de nada. E se fosse o filho de vocês? Vocês fariam isso? Não digam que não, porque boca que fala engana o coração. (acalmando-se) O diretor após ser despedido deu um tiro na cabeça. Recebeu a extrema unção com seu próprio sangue e um punhado de chumbo. O seu crânio se espalhou sobre a mesa de seu escritório e a sua inteligência deixou um cheiro podre no hospital. A enfermeira e o médico se separaram após o ocorrido e continuam rastejando aos pés do governo para que o mesmo lhes atire migalhas. E quanto a mim? Vou-me para longe, aonde estão os meus amigos, que nada tem de especial. Mas são grandes amigos, espero um dia poder ver este hospital abandonado. Até um dia, até o dia que vocês cansarem do mundo como nós o fizemos. Até o dia em que vocês também serão parte da nossa família. Desgarrados do céu!!!

(Monólogo do livro Taciturno - Curtas peças de teatro de uma realidade brasileira, de Daniel Lellis Siqueira) Lucinha, se enforca junto aos outros internos numa desesperada tentativa de fuga do manicômio. Monólogo segue após a cena do enforcamento.

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