"Tudo termina em morte"

"Tudo termina em morte"

Aquecidos pela patinação e pelo amor, atiravam-se em algum lugar solitário, onde os juncos amarelos adornavam a margem, e Orlando, envolto numa grande capa de pele, tomava-a nos braços e, pela primeira vez — murmurava —, conhecia as delícias do amor. Então, quando o êxtase terminava, jaziam acalmados sobre o gelo e ele lhe falava de seus outros amores e como, comparados ao dela, tinham sido de madeira, de estopa e de cinzas. E, rindo de sua veemência, ela virava-se mais uma vez nos seus braços, dando-lhe mais um abraço como prova de amor. E então eles se maravilhavam que o gelo não tivesse derretido com o seu calor e se apiedavam da pobre velha que não dispunha de meios naturais para derretê-lo e tinha que quebrá-lo com um machado de aço frio. E então, envoltos em suas peles, conversavam sobre tudo o que existe sob o sol; de paisagens e viagens; de mouros e pagãos; da barba deste homem e da pele daquela mulher; de um rato alimentado à mesa pela mão dela; da tapeçaria que se movia sem parar na sala da casa; de um rosto; de uma pluma. Nada era pequeno demais para a conversa, e nada era tão grande.


Depois, de repente, Orlando caía numa de suas expressões de melancolia; a visão da velha mancando sobre o gelo podia ser a cauda disso, ou não haver nada;atirava-se de rosto para baixo no gelo, olhava as águas congeladas e pensava na morte. Pois o filósofo tem razão ao dizer que nada mais espesso do que a lâmina de uma faca separa a felicidade da melancolia; e prossegue opinando que são gêmeas; e daí chega à conclusão de que todos os sentimentos extremos são aparentados da loucura; e assim convida-nos a buscar refúgio na verdadeira Igreja (a seu ver, a Anabatista), único porto, enseada, ancoradouro , dizia, para aqueles que se debatem neste mar.

— Tudo termina em morte — dizia Orlando, aprumando-se, o rosto velado de tristeza. (Pois era assim que sua mente trabalhava agora, em violentas oscilações entre a vida e a morte, sem se deter no meio)

— Tudo acaba em morte — dizia Orlando, sentando-se no gelo. Mas Sasha, que afinal não tinha sangue inglês mas que era da Rússia, onde os crepúsculos eram mais longos, as auroras menos repentinas e as frases muitas vezes abandonadas sem terminação pela dúvida de como terminá-las da melhor maneira —, Sasha fitava-o, talvez escarnecendo, pois ele devia parecer-lhe uma criança — e não dizia nada.

Virginia Woolf- ORLANDO

Eloisa Alves
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