" Todas as coisas da vida que uma vez existiram tendem a recriar-se"

" Todas as coisas da vida que uma vez existiram tendem a recriar-se"

" (...). Mas, dizia-se Swann, como fazer para protegê-la? Podia, talvez, preservá-la de uma determinada mulher, mas haveria centenas de outras, e ele compreendeu que loucura lhe passara pela cabeça quando, na noite em que não encontrara Odette nos Verdurin, tinha começado a desejar a posse, sempre que possível, de outra criatura. Felizmente para Swann, sob os novos sofrimentos acabavam de entrar em sua alma como hordas de invasores, existia um fundo de natureza mais antiga, mais suave e silenciosamente laboriosa, como as células de um órgão ferido que logo se põem a trabalhar para refazer as lesadas, como os músculos de um membro paralisado que tendem a reto movimentos. Esses habitantes mais antigos e mais autóctones de sua alma chegaram por um momento todas as forças de Swann nesse trabalho obscuro e reparador, que dá a ilusão do repouso a um convalescente, a um operado. Agora, foi menos como de costume no cérebro de Swann, que se produzia a trégua por esgotamento, e sim antes no seu coração. Porém todas as coisas da vida que uma vez existiram tendem a recriar-se, e como um animal agonizante agita de novo nos arrancos de uma convulsão que parecia finda, sobre o coração de Swann, poupado por um instante, o mesmo sofrimento foi retraçar a mesma dor. Ele se lembrou daquelas noites de luar em que, estendido em sua vitória levava para a rua La Pérouse, cultivava em si, voluptuosamente, as emoções de um homem amoroso, sem saber que frutos envenenados seriam necessariamente deduzidos. Mas todos esses pensamentos não duraram mais que um segundo, foram bastante para levar a mão ao coração, retomar o fôlego e conseguir dar um sorriso para dissimular sua tortura."


Marcel Proust  - Em Busca do Tempo Perdido

Eloisa Alves
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