A ÚLTIMA NAU
Foi-se a última nau, a derradeira
que faltava partir.
Nos campos sem cultivo
as searas deixaram de crescer,
as abelhas o mel não voltariam
solícitas a fazer,
palidamente as uvas já murcharam,
nas árvores os frutos faleceram.
Foi-se a última nau. As fontes se apagaram
e os rios sem um leito enfraqueceram.
Até o cais enfim deixou de ser
de pedra uma saudade:
tudo se revestiu de medo hesitação:
o pouco que restara dos silvados
chegou para comer os brotos dos pomares,
e em grande agitação
a noite fugir o seu luar.
Foi-se a última nau. Espalha-se o livor
por sobre o que era verde,
e entre o frio e o calor
nada de diferente que se almeje.
Foi-se a última nau e seja onde for
mesmo que naufragada
talvez o seu regresso nos mitigue a dor
e nos deixe outra vez (firmes) sonhar.
António Salvado
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