A JANELA ABERTA ( conto em versão para teatro- 1 ato em 5 cenas) Parte I

A JANELA  ABERTA ( conto em versão para teatro- 1 ato em 5 cenas) Parte I


LUZES DE SIRENES POLICIAIS E DE AMBULÂNCIA

VOZ EM OFF:  Atenção há dois feridos graves no interior do ônibus, parece que um meliante ainda está dentro do veículo, ficou preso na catraca em atitude suspeita , os demais evadiram-se do local...

(BARULHO DE UMA CELA SENDO ABERTA)

- Fique ai, que é o seu lugar !!!  ( empurrando o homem para dentro)

( encolhido, como se estivesse alheio ao que acontece) – Que será isso ? Meu Deus, deixei a janela aberta, se chover de novo, perdemos tudo como antes, por que fui esquecer de fechar a
janela ?

(olha ressabiado pelo local e senta-se, tímido, com as pernas cruzadas no peito, a cabeça baixa, como se falasse sozinho:

- Maria saiu cedo, levou a Aninha, hoje é dia de passar a roupa na casa da dona Matilde, pelo menos terão uma refeição completa, vai chegar tarde, tenho que voltar antes  da chuva, a janela ficou aberta...

- ( preso 1 se aproxima) – Ô chapa, qual foi a bronca ?

(silêncio)

- Curió, panaca, qual a tua bronca ?

-Sei não... ( respondeu assustado)

( Com voz ameaçadora)- Se fazendo de bobo, ou tirando uma com a minha pessoa, desgraçado fudido ?

- Não senhor, não sei o que está dizendo...

-Quer dizer que está aqui de anjo, caiu do céu ? ( gargalhadas compartilhadas pelos outros 3 na cela)

( tremendo, sem saber o que responder)

- ( preso 2) – Deixa o traste, mano, o bicho ta mijando de medo...um bosta !

(risos) ( preso 1) -  Cuzão !  Bunda mole, viado !

- Toma ! ( preso 3 estende um cigarro) – fuma, que bom, relaxa, tu tá tremendo como vara verde, daqui a pouco tem um treco aqui e vai dar trabalho...e olha que eles não tão nem ai com a gente...

- Obrigado, moço, não fumo...
(preso 1) – Não fuma, não bebe, será que mete ? ( gargalhadas)

(ameaçador) – Tu quer falar o teu nome ou vamos te chamar de cuzão mesmo ?

-Antonio Francisco da Silva...

(gargalhadas) – Tu tá fudido, entrega rápido as coisas, quero ver a língua solta com os meganhas... Eles nem vão ter trabalho contigo, um merda ambulante...
Esses cuzões se borram e dão com a língua nos dentes, alcagüetes de merda ! ( levanta a mão como se fosse agredir)

( Preso 2 ) - Relaxa, Mano, o cara ta apavorado, não vê ?

(Preso 1, insistente, pega o homem que está sentado e o levanta devagar) – Tem que me dizer, o que tu fez, cagão ?  Aqui não caem anjos, só gente escolada, do crime, tá sabendo ? Então vai dizendo logo tua bronca, que tô perdendo a cabeça...

(Antonio) - Não sei ao certo... por favor, estou falando a verdade, me trouxeram para cá, pensei que me tiraram do ônibus para me socorrer mas me botaram na viatura, ninguém quis saber o que tinha para dizer...

- (Preso 1, sarcástico) – Jura, Não diga ! Ta ficando engraçado, ajuda a passar o tempo, e olha que temos todo o tempo do mundo para ouvir a tua versão dos fatos....des-em-bu-cha !!!

- Moços, eu juro que não sei !

( Preso 1) – Será que vai ter que tomar porradas para soltar a merda da língua ?

(vacilante) : - Eu estava no ônibus, não tinha o dinheiro todo para a passagem, acho que deixei uma moeda em casa, na pressa, além da janela que deixei aberta, sai sem o dinheiro todo da condução...mas o ônibus estava cheio e já ia longe de casa, então falei com o cobrador e ele concordou em me deixar passar por baixo da catraca... mas , quando tentava passar, houve uma confusão, tiros, todos correram de dentro do ônibus e eu fiquei preso na catraca, no chão...
Ouvia gritos e janelas sendo quebradas, todos queriam sair, eu fiquei preso na catraca, não entendi o que estava acontecendo...
Depois chegou a polícia, me tiraram de lá, pensei que iam me socorrer, mas me algemaram...haviam atirado no cobrador e no motorista, foi um assalto... Os dois estavam  debruçados, um na direção e o outro sobre a caixa, sangue escorrendo...
Acho que me confundiram com um dos assaltantes e estou aqui... eles vão ver que houve um engano, sou um trabalhador, desempregado mas trabalhador, entendem ?
...preciso voltar para casa antes que chova, a última chuva inundou tudo e perdemos todas as nossas coisas, estamos dormindo no chão...eu deixei a janela aberta...

(silêncio quebrado pelo preso 2) – Cara, tô acreditando na tua narrativa, tu se fudeu de verde e amarelo, os dois, motorista e cobrador abotoaram os paletós, o povo se escafedeu do local, quem vai testemunhar a teu favor ?

(preso 3) ...pobre é assim, cagado de arara, sai para buscar um trampo e arranja encrenca mesmo sem querer...

(Antonio, alheio como se falasse para si mesmo): - Alguém que estava lá me viu e sabe que não atirei em ninguém, nem sei como se atira...ainda por cima a janela ficou aberta...
´
( Preso 1) – a casa tá caindo em tua cabeça, curió de merda, e você  pensando nesta porra de janela aberta?!...

( Antonio) ...se chover inunda, o barranco fica nos fundos e a água desce, por que esqueci aquela janela aberta, meu Deus ?!

( Preso 4)...deixa ele em paz, o cara ta pirando, é o principal suspeito de um latrocínio e ainda se preocupa com uma janela que ficou aberta, deve ser fome... escuta, quando tempo faz que tu não come ?

- (Antonio) ...tô acostumado a ficar sem comer, nem sempre dá para a comida não, principalmente quando não tem nem bico para fazer...vim atrás de uma vaga em uma construtora, faço qualquer coisa como ajudante de pedreiro...
( Preso 1) – Toma um naco de pão, fudido, quase te arrebento de porradas, mas não é da nossa turma não, teu terreno é outro, cara...

( Antonio aceita) – Obrigado, moço, fiquei tão apavorado que deixei a minha marmita lá no ônibus...um arrozinho com ovo e um pouco de farinha mas que dá pra quebrar o galho... a minha companheira hoje trabalha em casa de uma senhora,que deixa ela levar a menina, então comem bem, almoço e janta

(preso 2) – tu sabe ler ?

(Antonio) Pouco mas sei...

(preso 4) – Te cuida, não vá botando sua assinatura em qualquer papel que te botarem na frente, pode estar assinando bronca grossa, aí, tu que entrou de gaiato nessa história,acaba fichado como criminoso...

(Antonio) – Por Deus, moço, sou honesto...

(preso 2) – Tá se vendo que sim, cara, mas as evidências... torça para que achem mais alguém que participou desse assalto e o cara tenha coração para não te fuder junto, senão...

(preso 3, conciliador) – Este mundo nosso não te serve, não sobreviveria a isso, cara... se pedirem para assinar tente ler o papel, se não entender peça explicações, sem tiverem um pouco de paciência te darão um pouco de atenção, do contrário... para eles todos os que caem aqui são bandidos...


( CONTINUA NA PARTE II)
 

ORIGINALMENTE ESTE TEXTO FOI CRIADO EM FORMA DE UM CONTO, SENDO O MEU 1° TEXTO PUBLICADO PELA CÂMARA BRASILEIRA DE NOVOS ESCRITORES, CBJE, EM OUTUBRO/2009, NA COLETÂNEA: " 1° ANTOLOGIA DE CONTOS PREMIADOS" POSTERIORMENTE, O ADAPTEI PARA O TEATRO, REGISTRANDO A AUTORIA NA BIBLIOTECA NACIONAL DE DIREITOS NACIONAIS, SOB N° 494.5467, LIVRO 935, FOLHA 144. PARA PUBLICÁ-LO NESTE SITE, TIVE QUE DIVIDÍ-LO EM 3 PARTES, VISTO EXTRAPOLAR OS LIMITES DE ESPAÇO PERMITIDO.