Um sábado atrás do outro

Um sábado atrás do outro

UM SÁBADO ATRÁS DO OUTRO
 
O som percorria todos os ligamentos nervosos de meu ouvido, excitando-os a tal ponto, que a vontade de dançar era incontrolável, só faltava algo muito importante para sair dançando pelo salão, meus olhos procuravam atentamente, mas nada, e foi assim a noite toda, voltei para casa sem dançar. O triste da história é ter novamente voltado frustado sem ter achado o que procurava, já nem sei há quantos sábados procuro, se três ou três mil, só sei que se demorar um pouco mais meu coração que tem 1420(um mil, quatrocentos e vinte) sábados não agüentará mais procurar e eu terei de desistir de todos os sábados que seguirão em minha vida.
Lembro-me como se fosse ontem de meu Sábado de número 720(setecentos e vinte), os músculos eram novos, os sentidos aguçados, a visão então era a que mais funcionava, em compensação não tinha coordenação alguma com a boca, os olhos viam e imaginavam uma coisa e a boca[coitada] falava outra, desbancando qualquer possibilidade de deslizar pelo salão e aprender os passos que até hoje não pude aprender, não que não queira, apesar de todo esforço e dedicação que dou a este assunto. Depois só foi um Sábado atrás do outro, e de lá para cá é esta eterna ciranda na busca de uma parceira para dançar. Meus olhos já não são tão aguçados, mas continuo observando o movimento.
Certa vez, os olhos entraram em sintonia com a boca, e trabalharam legal, só sei dizer que ela era simplesmente um grande par de olhos e uma boca como jamais havia visto, o impulso elétrico percorreu-me do primeiro ao último neurônio, foi vontade de dançar à primeira vista.
Mal sabia eu, que tinha outro par de olhos, de olho em minha vontade de dançar, e eu, inocente, não percebi e não tive competência para segurar o ritmo daquela dança, a qual havia me proposto a dançar, e dancei no sentido literal da palavra.
Um Sábado atrás do outro voltou a acontecer, mas nunca mais esqueci aquele, que ficou marcado, para que eu pudesse tirar lições que me ensinaram(nem tanto) a dançar no salão da vida.
Fui passando de Sábado em Sábado, às vezes somente olhando e apreciando, o movimento da vida, às vezes num ritmo alucinante, outras vezes quase inerte, morta. Tentei de todas a formas achar minha parceira ideal, escolhi, peneirei, e nunca escolhi ou fui escolhido.
Pedi quase a ponto de implorar para alguém dançar comigo a dança da vida, mas nunca o sucesso obtive.
Meus olhos já foram perdendo o brilho característico de quem procura sem medo, a boca[aquela danada] finalmente aprendeu a se calar, emudeceu e deixou que meus olhos implorassem alguém para dançar.
Não que sejam olhos exigentes, gostam do rosado, do branco e do negro, mas nunca experimentaram o gingado do corpo a bailar no salão da vida, do princípio ao fim do baile que continuo a viver.
As marcas se depositaram, embaixo e ao lado de meus olhos, que continuam a pedir um par de olhos que os encare e não desvie o olhar, que desta troca, a boca possa entrar em ação e dizer tudo rimado e compassado o que meus olhos mudos querem dizer.
Engraçado é que meu corpo já não consegue acompanhar meus olhos, às vezes é difícil entrar em acordo, ora um quer ir e o outro não, e eu aqui querendo dançar.
Será que esta é minha sina, minha vida? Aí meus olhos fazem descer um gota de água salgada por sobre minha face rosada e sofrida, implorando tocar minha boca e não ser perdida. Meus olhos entram em compasso com meu coração, toda vez que vêem algo que caem bem neles, este sim sempre está em sintonia, é como uma luva que se encaixa em minha mão, quando meus olhos sofrem, ele dói, quando riem ele palpita.
Por diversas vezes eu ouvi este som, meus nervos se prepararam, meus sentidos se aguçaram para a dança e eu fiquei sentado a beira da pista, somente observando, outros olhos ali dançando.
Meus olhos imploram:
Ei você, se aproxime! Chegue bem perto, olhe aqui e por favor não desvie o olhar, para não distrair e me diga sinceramente, quer dançar comigo?
Espero em vão, a resposta novamente não veio, e eu aqui aguardando e guardando o que resta do brilho do olhar de minha vida.
O som é que me deixa triste, é tão bonita a sinfonia pop ou samba da vida, convida-me a dançar, meus olhos brilham como um farol na neblina de minha vida, sempre mostrando a outros olhos que procuram um porto para ancorar e se sentir seguros, sim, porque tenho a certeza de que sou um porto seguro, que tem provisões que vão desde o fútil ao essencial, e a maior de todas as mercadorias, o amor que há gerações esta sendo incubado tratado e envelhecido para ser bebido por uma boca que saiba aprecia-la e degustar o sabor desta essência por quais olhos travam batalhas incansáveis no fronte da vida, ora ganhando disparado, ora com derrotas memoráveis.
Deixo passar o tempo, procuro não olhar o relógio da vida, para não cair em desespero e me abandonar em artimanhas que sei que não me trarão o olhos que sonho encarar e o som que meu ouvido sonha em dançar.
Mas o relógio não parou e nunca vai parar, ele é constante e mais um inimigo contra o qual tenho que lutar, este sim está ali sempre presente, triste e alegre, vê todos os olhos passarem por mim, e me alertam; seu tempo está por acabar.
O mais difícil de todos os sábados que vivi, foi o meu Sábado de número 1045(um mil e quarenta e cinco), este sim me mostrou que os horizontes que meus olhos viam que eram amplos, passaram a ser um ceuzinho de minha vida. Neste dia um par de olhos maduros e preocupados e que há muito me observam sentados à beira da pista no salão da vida me alertaram que o campo florido pelo qual eu trafegava não passava de meras ilusões de olhos que queriam ver e não enxergavam, e eu sinceramente tardei a me dar conta que que aquela verdade era a que valia no baile da vida.
As nuvens de pássaros felizes que deslizavam suavemente no ar, em minha frente, não eram reais, e sim miragens que meus olhos cegos teimavam em ver para sustentar meu coração que clamava por felicidade.
No lugar destes campos floridos que estavam em minha frente surgiram penhascos intransponíveis para minha vontade de dançar. Aprendi ali que meus passos, meus atos não me lavariam a lugar algum, muito menos a bailar com meu par de olhos tão sonhados no salão da vida.
Recriei fatos, aprendi novos atos, meus olhos se vestiram com nova roupagem, escolhi dentro de tantas flores que via algumas que me davam mais alegria para que pudesse regar, e novamente fiz a escolha errada.
No lugar de observar as flores mais próximas, tive que sonhar com aquelas que estavam mais distantes, pois pareciam mais bonitas e dignas de serem colhidas.
Passei por este salão da vida tentando chegar a esta flor de olhos, e quanto mais eu tentava enxergá-la, mais distante ela ficava, pois meus olhos esqueceram de levar em conta que estes olhos também andavam procurando alguém para dançar no salão da vida, e não ficaram me aguardando como eu supunha ser esperado.
E hoje aqui chegando, percebi que não cheguei a lugar algum, que estou apenas recomeçando a minha eterna procura de olhos que encarem os meus e não desviem o olhar, e por mais que te ensinem como dançar, haverá sempre um novo passo a se aprender e o som continua a ser propagado pelo salão e tenho sempre que estar preparado para dançar esta dança.
Então meus olhos poderão perder o brilho da vida, sem nunca achar a parceira tão sonhada, para dançar este compasso marcado pelo tom de minha vida.
 
“O fim é o começo do principio, para olhos de quem nunca cansam de procurar, pois, a essência do viver está na busca constante de um sonho à ser vivido a dois ou a sós, depende somente de nós!”
 
 
Nill Rodrigues/1997
 

Nill Rodrigues
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