A PRAÇA

 

Uma praça, comum, numa pequena cidade do interior paulista, com árvores quase  centenárias, um pitoresco coreto e bancos bem distribuídos. Algumas barracas comerciais complementam a arquitetura. Nesse local, de livre acesso a todos os moradores do pequeno rincão, as particularidades se definem pela freqüência diária de rostos conhecidos. Minha participação no ambiente torna-se necessária por estar ali localizado o meu “ganha-pão”; um diminuto escritório onde exerço a função de escriturário há algumas décadas, calma lá, não sou tão velho assim, comecei a trabalhar muito cedo e os fatos que narro são apenas observações do meu cotidiano. Certo dia, antes da oitava hora, quando promovia a costumeira remoção das partículas de poeira do citado cubículo funcional, pela porta semi-aberta, observei a chegada de algumas pessoas nas dependências da praça que se cumprimentaram e ficaram num gostoso bate-papo por aproximadamente três quartos de hora. O fato se repetiu mais três vezes naquela semana e o mais interessante é que, salvo alguma falha de minha desgastada memória eram sempre as mesmas pessoas. Outro aspecto curioso era a idade delas, todas já ultrapassavam meio século de existência e uma já estava próxima de completar o centenário. Fiquei sabendo disso quando esta pessoa não freqüentava mais o bate-papo, mas foi justamente essa figura simpática que despertou meu lado poético. O “Figuraça”, como carinhosamente o chamei, era sempre o primeiro a se apresentar para a gostosa palestra. Ele vinha mansamente, caminhando com o auxilio de uma pequena bengala, sentava-se na ponta de um dos bancos que fica defronte ao escritório, apoiava o queixo naquele artefato de madeira que o ajudara a se locomover até ali e ficava observando o tímido movimento que se fazia naquelas primeiras horas do dia. Acompanhando seu comportamento, invadiu-me uma vontade quase que incontrolável de escrever algo a respeito, porém o máximo que consegui foi um poema ao qual intitulei “Um Velho na Praça”, e uma seqüência sem necessidade “Praça Vazia”. Enquanto ele observava o movimento, eu o observava e tentava, mesmo à  distancia penetrar naquela mente grisalha, para sentir como seria atingir sua longevidade.Senti-me momentaneamente um intruso, mas a vontade de continuar aquela investigação mental era maior e por vários dias posso dizer que fui um velho na praça. Imaginava eu, naqueles dias, que ele se recordava da juventude, do que fizera quando criança, dos amigos que já haviam partido, dos amores, das decepções, porem seu semblante estava sempre sereno, e mesmo quando esboçava um pequeno sorriso a serenidade era mantida. Foram apenas algumas semanas de observação, mas o suficiente para que aprendesse lições inesquecíveis. O(a) leitor(a) deve estar pensando, que escritorzinho “babaca”, como alguém pode aprender alguma coisa observando um velho sentado no banco de uma praça? Posso responder por mim, querido(a) leitor(a) acreditando que a vida, quando a recebemos de Deus, vem como um caderno em branco onde deveremos escrever nossa história. Essa história, por mais difícil que seja deve ter a nossa caligrafia, é aí, querido(a) leitor(a), que lhe faço uma pergunta. Como ficam os “analfabetos” da vida?, pois bem, se a vida é um caderno, o planeta em que vivemos torna-se a escola onde  aprendemos como preenche-lo. Tomando isso como exemplo, o “Figuraça” da praça, no seu semblante sereno, e na sua maneira de conduzir-se durante aquelas gostosas palestras, trouxe-me a certeza de que era um sujeito bastante paciente, pois ele muito mais ouvia que falava, nunca se exaltou, pelo menos perante os meus olhos e no crepúsculo de sua caminhada, vinha-me a sensação de que podia ver as páginas finais de seu caderno e a palavra que eu mais vislumbrava era gratidão. Jamais conversei com o “Figuraça”, porém,  tinha uma vontade enorme de chamá-lo de “vovô”, de verdade, não pela idade, mas por carinho, sentimento estranho não, você nunca conversa com uma pessoa, no entanto ela está no seu coração. Dessa forma, observando o “vovô”, percebi que a paciência é talvez a maior das virtudes que devemos cultivar se quisermos aprender como escrever uma bela história de nós mesmos. Devemos ter paciência em tudo que fazemos, porque a partir do momento que começamos a respirar dentro da escola terrestre estamos todos envolvidos no mesmo objetivo comum que é a busca da felicidade plena, que será atingida um dia, porém, vai aí, mais uma pergunta complicada para a resposta do escritor e dos leitores; você seria totalmente feliz vendo um semelhante em dificuldades, tipo: desnutrição, problemas mentais, deficiência física, e tantas outras mazelas que nos atormentam? Temos que entender porém que na escola da vida há alunos aplicados e alunos desligados. Se nos juntarmos aos aplicados com certeza abreviaremos nosso aprendizado, mas e como ficam os desligados, devemos abandoná-los? Segundo o maior Ser Humano que habitou este pequenino orbe, não há como chegar à felicidade plena sem a prática da caridade para com o semelhante, e isso implica em aplicar em nós a maior lei que conhecemos(?), a Lei do Amor; lei que é confundida com paixão, sentimento de posse, egoísmo, mas que na verdade está liberta de todos esses desvirtuamentos humanos, porque o Amor Verdadeiro provém de Deus e para atingi-lo temos que ser livres. O que tem o “Velho da Praça” com tudo isso? Nada, ou tudo, depende do ponto de vista, se respeitarmos os ideais de cada ser humano,  auxiliando sempre quando nos for permitido; sim, é preciso que haja permissão para que invadamos o espaço alheio, bem como, nos destituirmos do orgulho quando a ajuda nos for oferecida em momentos difíceis, agindo assim, estaremos exercitando a compreensão mutua que significa em palavras simples, faça ao semelhante o que quiseres que ele te faça. Filosofias a parte, voltemos à praça, local de confraternização pública onde as coisas acontecem. Quando o velho se foi, de forma definitiva, por alguns dias, a praça me pareceu vazia, porém, numa manhã, um grupo de crianças invadiu o ambiente cantando sob a regência de uma Senhora de meia idade, trazendo-me  as respostas para muitas das perguntas que havia feito a mim mesmo. Eram crianças que pela aparência física ainda não conheciam o alfabeto, mas cantavam uma melodia que emocionava pela simplicidade e me recordo que na letra repetia-se a palavra “Mamãe” pois os pequeninos aumentavam o volume de suas vozes quando a pronunciavam. Nesse momento vinha-me à mente a figura do velho e uma lágrima escorreu-me pela face, não de tristeza, mas de agradecimento, porque naquele momento eu passava a compreender as palavras do profeta “Nazareno”: “Ninguém entrará no Reino dos Céus se não nascer de novo” ...

 

Pedro Martins

Pedrinho Poeta - Pitangueiras-SP-
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