Eu queria falar, com nostalgia,
de minha infância inocente,
quando, aos pulos da amarelinha,
sorrindo, eu corria.
Tinha a boneca na mão
e meu irmão rodando pião.


Eu queria falar, com alegria,
do raiar rebelde de minha juventude,
quando o corpo sussurrava ao amor que surgia.
Tinha as conversas com o amigão
e os beijos roubados de supetão.


Eu queria falar das flores sortidas,
pequenas, grandes e perfumadas,
onde bailavam borboletas coloridas.
Tinha abelha e zangão
e outros bailarinos de plantão.


Eu queria recitar poesias de amor
emocionado por sua grandeza,
com rimas levadas libertando fantasias.
Ter estrelas a calar a escuridão
e o luar a viajar na imensidão.


Eu queria tanto dizer doces palavras,
permitir sonhos e esperanças.
Hoje, porém, eu não posso.
Há tantas almas perdidas na multidão,
tantas outras mutiladas pela solidão.


Eu não queria falar de mortes,
mas estão silenciosos os  gritos em luto no Haiti.
São raras e caras as vidas perdidas lá.
Altos são os juros das tantas somadas além.
Tem ainda os dividendos das que ficam neste que é aqui.


Eu não queria falar, mas não calam poetas
noites que choram trevas marcadas por dor.
Gritam Chico, Manuel, Cecília, Dias...
- Esconda-se povo, desse insaciável devorador!


Eu ainda queria as mais belas e puras figuras trazer.
Se fosse artesã ligeira, estrofes inteiras, eu poderia tecer.
Mais rápida e voraz é a caçadora,
e escondê-la o poema não permitiria.
Predadora é a fome que mata, e mata mais
do que qualquer estranha força mataria.
 
Luzia M. Cardoso
 
 

Essa poesia eu fiz na semana do terremoto no Haiti. Fiquei, então, pensando em tantos outros "terremotos" que ceifam vidas por toda parte.

Rio de Janeiro, 14/01/2010

Luzia
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