Somo feridas em busca de um remédio.
Somos remédios que não curam dores.
Somos dores que procuram o alívio.
Somos alívios que escondem o pranto.
Somos prantos que caçam alegria.
Somos alegrias que homenageiam a glória.
Somos glórias que despencam na sarjeta.
Somos sarjetas que aprisionam corpos.
Somos corpos que anseiam por vida.
Somos vidas que vagueiam perdidas.
Somos perdidos que procuram caminhos.
Somos caminhos que não levam a nada.

 
Somos nós! Somos ébrios! Somos vida!

 
Somos o nada que constrói o tudo.
Somos o tudo que desaparece na fumaça.
Somos a fumaça que denuncia o fogo.
Somos o fogo que incendeia a alma.
Somos as almas que se penitenciam.
Somos penitências que nunca são pagas.
Somos as pagas que se enchem de dívidas.
Somos as dívidas do banco do amor.
Somos os amores que buscam companhias.
Somos as companhias rejeitadas pelo tempo.
Somos os tempos de um verbo qualquer.

 
Somos nós! Somos ébrios! Somos vida!

 
Somos românticos que mandam flores.
Somos as flores que exalam perfumes.
Somos perfumes que enjoam a beleza.
Somos belezas que criticam as formas.
Somos formas que procuram os gestos.
Somos gestos que afirmam mentiras.
Somos mentiras que dizem verdades.
Somos verdades que enganam a crença.
Somos crenças que imitam a fé.
Somos a fé que se deixa conduzir.
Somos condutores perdidos no espaço.
Somos espaços vazios infinitos.

 
Somos nós! Somos ébrios! Somos vida!

 
Somos inquietudes que procuram descanso.
Somos descansos cansados de esperar.
Somos esperas pelo que nunca chega.
Somos finais de uma espécie em extinção.

 
Somos nós! Somos noite! Somos boêmios!

 
Somos seres comuns que nos fantasiamos de especiais para cortejar o sonho.
Somos o próprio sonho definhando a cada instante.
Somos o instante em que se apresenta à morte.
Somos a morte das madrugadas que anseiam o dia.
Somos o dia que nunca renasce.
Somos o renascer que não se nega a luz.
Somos a luz que clareia dos passos.
Somos os passos que cambaleiam ébrios.
Somos os ébrios que bebem desgosto.
Somos os desgostos que amargam o doce.
Somos os doces de sabor enganoso.
Somos o engano que Deus cometeu.

 
Somos nós! Somos sós! Somos gente!
Somos noite! Somos boêmios! Somos vida!

 

 

André Luis Magalhães
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