"É somente colocando-a em palavras que eu a totalizo. "

"É somente colocando-a em palavras que eu a totalizo. "

“ (...) Isso indica que, à medida que vamos envelhecendo, adquirimos maior capacidade de dar explicações racionais. (...) Acho que isso é verdade, porque, embora eu me caracterize por receber choques repentinos, eles agora são sempre bem vindos; passada a primeira surpresa, sempre sinto instantaneamente que eles são bastante valiosos. E assim, chego à conclusão de que faz de mim uma escritora é a capacidade de receber choques. Arrisco-me até a afirmar que, no meu caso, o choque é imediatamente seguido do desejo de explicá-lo. Sinto que recebi um golpe; mas não é, como eu pensava quando criança, simplesmente um golpe de um inimigo escondido por trás do algodão cru da vida diária; é ou vai torna-se uma revelação de alguma espécie; é um sinal de que há alguma coisa real por trás das aparências; e eu a torno real, colocando-a em palavras. É somente colocando-a em palavras que eu a totalizo; essa totalidade significa que ela perdeu o poder de me machucar; dá-me um grande prazer, talvez porque ao fazê-lo afasto a dor, juntando as partes separadas. Talvez esse seja o maior prazer que eu conheça. É o êxtase que sinto quando, ao escrever, tenho a impressão de estar descobrindo o que faz parte do quê; fazer uma cena ficar boa; fazer um personagem tomar forma. Disso, extraio o que eu chamaria de uma filosofia; de qualquer modo, é uma ideia fixa minha; que por trás do algodão cru está escondido um desenho; que nós estamos – isto é, todos os seres humanos estão ligados a isso – que o mundo todo é uma obra de arte; que nós somos parte de uma obra de arte. Hamlet ou um quarteto de Beethoven é a verdade a respeito dessa imensidão que chamamos mundo.”

Virginia Woolf - Momentos de Vida
Editora Nova Fronteira – Tradução de Paula Maria Rosas

Eloisa Alves
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