" Mas antes a luz que incide neste portão..."

" Mas antes a luz que incide neste portão..."

O dia é duro e áspero como uma mortalha de linho. Porém, acabará por se tornar macio e por aquecer. A esta hora, a esta hora matinal e calma, julgo-me o campo, o celeiro, as árvores; os bandos de aves pertencem-me, o mesmo se passando com esta jovem lebre, que dá um passo no preciso momento em que estou prestes a pisar. A minha é a garça que, com indolência, estende as enormes asas; a vaca que vai ruminando à medida que avança; o vento e as andorinhas ariscas; o vermelho desmaiado do céu e o verde em que este acaba por se transformar; o silêncio e os sinos a tocar; o chamamento do homem que atrela os cavalos ao carro, tudo me pertence.

Não posso ser dividida, separada. Mandaram-me para a escola; mandaram-me para a Suíça para completar a minha educação. Odeio linóleo; odeio figueiras e montanhas. Deixem-me antes deitar neste solo liso, tendo por cima de mim um céu muito pálido onde as nuvens se movem devagar. O carro torna-se cada vez maior, à medida que sobe a estrada. As aves juntam-se no meio do correio – ainda não precisam voar. O fumo elevando-se. A rigidez do amanhecer vai desaparecendo. O dia começa a se agitar. Assiste-se ao regressar da cor. As searas e o dia tornam-se amarelos. A terra pesa bastante por baixo dos pés. Mas, afinal, quem sou eu, esta pessoa que se encosta ao portão e observa o nariz do cão que a acompanha? Às vezes penso (ainda não cheguei aos vinte) que não sou uma mulher, mas antes a luz que incide neste portão, no solo. Por vezes, penso ser as estações do ano, Janeiro, Maio, Novembro; a lama, o nevoeiro, a alvorada. Não posso ser empurrada para o meio dos outros sem me misturar com eles. Contudo, apoiada ao portão, sinto um peso que se formou junto a mim e me acompanha.

Virginia Woolf - AS ONDAS

Eloisa Alves
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