O primeiro amor de uma jovem pianista...

O primeiro amor de uma jovem pianista...

Ela sentiu que a sua medula óssea se esvaziava e não havia mais sangue em seu corpo. O coração, que durante toda a tarde batera contra o peito, de repente estava morto. Ela o via, cinza, murcho e enrugado nas bordas, como uma ostra.

O rosto dele parecia vibrar no espaço, aproximando-se no mesmo ritmo da pulsação das veias nas têmporas. Ela retraiu-se, baixou os olhos para o piano. Seus lábios tremiam como geleia, lágrimas silenciosas pingaram sobre as teclas brancas.

– Não posso – ela suspirou.– Não sei por quê, mas simplesmente não posso. Não posso nunca mais.

O corpo tenso dele relaxou e, estendendo a  mão para o lado, levantou-se. Ela apanhou as partituras e passou correndo por ele.

O casaco. As luvas e galochas. Os livros da escola e a pasta que ele dera a ela no seu aniversário. Tudo o que pertencia a ela na sala silenciosa.

Ao atravessar o vestíbulo, não pôde deixar de olhar as mãos dele suspensas do corpo apoiado contra a porta do estúdio, relaxadas e sem nenhum propósito. Arrastando os livros e a pasta, ela tropeçou pela escada de pedra, errou o caminho e, quando chegou ofegante lá embaixo, a rua tinha se transformado numa balbúrdia.”


Carson McCullers: Conto Wunderkind - pág. 122
Tradução Caio Fernando Abreu

Eloisa Alves
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