Envelhecer não é ato solitário,
O tempo se faz presente em nós
A partir do olhar que temos para os outros,
E do olhar dos outros para conosco.
Não basta a imagem do espelho a nos acusar os anos,
Não se faz suficiente algumas fotografias ou imagens,
Por estarmos conosco por vezes não nos vemos
Por ser o envelhecer um processo,
Esta vai ocorrendo sem aviso prévio,
Vai acontecendo, enquanto brincamos de viver.
E quanto se vê, o tempo já se foi.
E eis aí uma questão, nos preparamos para a vida,
E não nos preparamos para morte.
E não se trata de ser mórbido, mas apenas sensato,
Entender que a vida é um ciclo, com etapas,
Um fragmento de tempo e espaço,
Com começo, meio e fim.
Então há que se almejar uma morte feliz.
E o que viria a ser isto?
Recorro a razão, e penso em um propósito,
Qual seria o mais sublime dos propósitos?
A nossa história de vida.
E então deixo a razão para buscar meu sentir,
E pergunto a mim o que gostaria de obter em seu concluir.
E me vem a perspectiva
De concluir meus dias com dignidade,
De sentir em meu coração
Que realizei aquilo
Que dia tive por rascunho de meu roteiro de vida.
Não morremos solitários,
A nossa história vai morrendo aos poucos,
Morremos em companhia uns dos outros.
São afetos que não morrem,
São pessoas queridas que nos antecedem,
Que levam consigo parte de nós.
Que deixam de habitar o presente,
De estar junto de nós no cotidiano,
Para fazerem morada em nossa memória.
São ausências que se fazem contínuas presenças.
Vejo no rosto dos meus contemporâneos o tempo passar,
Vejo novas gerações chegarem,
Percebo em muitos deles a ilusão do ‘para sempre’.
Como é boa nossa ilusão do ‘para sempre’.
Mas que não seja torturante o ‘tudo acaba’,
Pois que parece existir uma promessa de amanhã.
No declinar biológico de meu corpo,
Sinto que minha alma vê cada vez com mais clareza.
Se durante muito tempo busquei respostas,
Hoje já sei que minha ignorância
Será sempre superior a meu saber.
Eu que já briguei com as dúvidas,
Hoje as tenho por amigas,
Divido xícaras de cafés com elas,
Companheiras de minha solidão de ser.
O que não se engane, não se trata de ser solitário,
Mas de mim, comigo mesmo.
Esta solidão que cada um de nós somos abriga em si,
Mas que por uma perspectiva gregária compartilhamos,
E eis que percebo que a geração que antecedeu a minha
Em boa parte, já se foi, e a minha própria começa a ir.
Quão estranho é isto tudo, mas não me perco da fé,
Mas não me apego ao ritual e a crença.
Leio e ouço atento as palavras do ressuscitado,
Como ainda estou distante do seu entendimento!
Mas eis que o farol da Páscoa que libertou um povo da escravidão,
Brilha novamente na libertação da alma em relação ao corpo.
É tudo que parece resumir o meu entendimento.
Não me cabe agradar ouvidos ou olhos alheios,
O meu pacto é comigo, meu anseio de ser justo,
Para que meu coração seja leve ante ao Grande Juiz.
E que não se tente buscar além de alegorias simbólicas.
A minha fé é que faz minha razão romper o raciocínio
Penso como partícula de consciência em meio ao universo.
Não entendo, mas sinto a vontade de um encontro,
Tal como o filho pródigo que retorna a casa paterna,
Tal como o pó, que se ergueu da terra pelo fogo da alma,
E retornará ao pó, quando o fogo se dissipar de modo alado no ar,
E sentir que talvez a frente esteja o oásis de puro líquido.
E nele mergulhe num batismo em que as dores
Se façam as lições necessárias para atingir a libertação
Pela continua educação da própria consciência,
Por meio do pensar, sentir e agir.
Que com isto uma suave alegria
Me invada o coração exausto de tanto sentir.
Nascer para vida, nascer para a morte,
Que numa dinâmica que tudo transforma,
Se renasça de onde habita a morte
Para que vivamos a almejada páscoa da alma.
08/04/2023
Gilberto Brandão Marcon
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