Sobre estar doente

Sobre estar doente

(...) e quem será capaz de racionalizar o seu feitiço? Na doença, as palavras parecem ter um elemento místico. Apreendemos o que está para além de seu significado superficial, deduzimos instintivamente isto, aquilo e aquilo outro – um som, uma cor, aqui uma ênfase, ali uma pausa – que o poeta, sabendo que as palavras são descarnadas em comparação com as ideias, espalhara por sua página para evocar, quando reunidas, um estado de espírito que nem as palavras podem expressar nem a razão explicar. A incompreensibilidade tem, na doença, um enorme poder sobre nós, mais legitimamente, talvez, do que os eretos são capazes de admitir. Na saúde, o significado impõe-se sobre o som. Nossa inteligência governa os nossos sentidos. Mas na doença, com a polícia de folga, nos metemos debaixo de algum obscuro poema de Mallarmé ou de Donne, de alguma frase em latim ou grego, e as palavras soltam seu perfume, e ondulam como folhas, e nos salpicam de luz e sombra, e então, se, afinal, lhes apreendemos o significado, ele é tanto mais rico por ter percorrido seu trajeto devagar, com todo o frescor nas asas.

VIRGINIA WOOLF- O SOL E O PEIXE

Eloisa Alves
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