Antes.
A dor, a vida.
 
O suor, o arder dos olhos, a vida.
O sofrimento, o tormento, a saudade, a vida.
O hoje, à espera do amanhã, a vida.
A terra distante, desaparecida, esquecida, roubada, a vida.
Os sons que ficaram, a memória colorida, o mar, a mata, a família, a vida.
A dor da chibata, o sangue que escorre, a vida que morre, a morte, a vida.
Não a minha vida, vida sofrida, mas a vida da cria, do rebento, do amanhã, a vida.
Onde repousa minha prisão, não no grilhão, na cria, na vida.
Na vida sem esperança que vive dentro de uma criança, criança cativa, criança sem vida.
O seu dia é sofrer, parada por detrás da porta, a senhora com a cara torta,
A empáfia, o descaso, o castigo, o horror.
Que antes fosse comigo,
Mas não, o peso do couro enredado em ferros, o castigo  
que daquele pequeno arranca berros recai sobre a vida, minha vida.
A escuridão do dia, o medo da noite, o terror do açoite, o temor do homem,
A pouca roupa, a pouca comida, a pouca paz, a pouca alegria, a pouca vida,
Dentro de meu sofrimento por vezes não entendo, como isso acontece, calo – me, anoitece, o temor da noite.
O medo do dia, da venda, da busca, do não mais ver, ver minha vida, minha cria arrancada, distante, perdida.
Partindo para perto, para longe, para um caminho errante, de vendas e mais vendas,
Um dia como se minha vista estivesse com vendas, eu a perderei por inteiro.
Sem mais saber se vive ou o paradeiro, viverá minha vida sem liberdade, restará no peito pouca saudade, pouca lembrança, verá meu rosto minha triste criança?
Ao clarear o dia a venda não vem, o senhor precisa de alguém, assim crescendo, para a lida no campo, para a doma do cavalo, para ser preso pobre pequeno, para valer mais caro, para um melhor pagamento,
Assim fica comigo mais um tempo a minha vida, o meu rebento.
O peso do trabalho, o peso do tempo, a concessão diante do algoz,
A mágoa, o rancor, a dor, a prisão da voz, o embargo do choro, a dor, tudo pela vida, não a minha vida, mas pela minha vida.
Não fosse o amor que carrego no peito, lutaria em todo momento, sangraria, entregaria a vida com orgulho, para impedir o capricho do algoz, mas me acovardo diante da vida, não da minha vida.
Por um momento, uma respiração, o toque de sua mão, o seu olhar, um abraço sentido, o menino cativo que da escravidão não sai, assim sentado comigo, me diz te amo meu pai.
 
Edgar Kosby / 2017

 

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