Fragmentos de comunhão
Eu toco a campainha, uma mulher dos seus trinta anos me pergunta o que quero. Eu explico, me identifico e pergunto se ela quer preencher um breve questionário, que na verdade, não era nada pequeno, uma centena de perguntas, pelo menos. Ela concorda.
A mulher é pensionista da Previdência Social, recebe um cheque que serve apenas para pagar o aluguel, um pouco de comida e talvez uma cerveja. Por que não? É preciso algo um pouco mais forte do que água para limpar a alma contaminada pela sujeira burocrática e tecnocrata que em dez dias irá privá-la de um teto
Ela me mostra o documento que o novo proprietário enviou. Em suma, ela terá que deixar sua casa no prazo de dez dias, a contar da data de recebimento da carta, para que o ex-suburbano filho da puta possa reformar a casa, instalar vasos de flores, seu macramé, seus diplomas e sua pequena vida ecologicamente correta.
Estas pessoas, com sensibilidade à flor da pele, hoje choram ante a visão de bebês focas sendo mortos sob os olhos horrorizados de Brigitte Bardot, essa vagabunda ociosa que deveria se meter com a sua vida. Obviamente, um "B. B. FUCK" (foda-se, B.B.) é mais importante do que as crianças estigmatizadas pela sigla "B.S.". Também choram assistindo World Vision, a maior mentira que pode ser contada para ver a nossa carga tributária diminuir e a nossa tela de TV se encher de moscas. Senti-me completamente inútil.
Eu não sabia o que dizer o que fazer. Engoli em seco, algo amargo misturado com o meu sangue.
- Outro café?
- Não, obrigado, estou quase terminando.
Deixo dois cigarros sobre a mesa, acaricio o cabelo louro do bebê e saio ao pôr do sol no meu cavalo branco, sem olhar para trás.
Desde então, troquei meu cavalo branco justiceiro por um computador, mas eu não esqueci. Qual é o nosso lema? Lembro-me? Eu não sei, espere até eu me recordar.
Capsule - Aldo Orellana
Tradução e interpretação – Fátima Hibari
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