Pichação

Picho o mural do céu
entre nuvens vagando ao léu
onde é concebível o expressar sincero,
riscar em todas as línguas
a alma em flagelo,
o desengano,
a revolta de cada ano, do tempo,
do cotidiano…
Aumento o som do vento
a carregar pelo mundo
os contratempos, os impropérios.
Que os carregue
para o quinto dos infernos.
Picho de preto nuvens carregadas
de lágrimas evaporadas, salgadas,
a desaguar toda amargura
no oceano que circula
nesse leva e traz da vida.
Picho a morte, a despedida
sem passaporte de volta,
a revolta
em muros já pichados na imensidão.
Picho com emoção,
(lei que rege o coração)
em nuvens de algodão,
a estranheza da leveza
com que exerço a pichação,
tendo na poesia a direção,
a verdade e a impunidade.
Picho a propriedade alheia que se esgueira
e o vazio do espaço a levantar fronteira.
Picho a “fábrica de deboches”,
o escárnio a conduzir fantoches
que já não são como antes.
Há cérebros pensantes.
Grafo nas entrelinhas do horizonte
a vida que segue, o amor que se esconde,
e no íntimo de meu ser
grafo a arte, baluarte do saber viver.


Carmen Lúcia