Olha, eu quero me confidenciar contigo, falar de coisas que as pessoas em suas pressas não me ouvem... mas já que és ficção, tens todo o tempo do mundo e a paciência que só mesmos os pacientes teriam comigo... Da tribuna à plateia ausente, meus ecos retumbam indiferentes, irados brados, lamentos... Discursos pusilânimes, desencantos...a este mudo público desfolho as lágrimas de meus enganos...
...Apraz-me descrever imagens, algo insólito e difícil, só mesmo em metáforas, ou seja, comparações, me faço entender... é que a linguagem escasseia do universo que quero apreender no restrito alfabeto de que disponho... ilusões saciando os anseios de ser ouvido além das paredes, ou destas letras, limítrofes de sentidos... Gritos espalhados em múltiplas direções, alcançando alhures almas afins em seus delírios, num coral de lamentos semelhantes...Uníssonas vozes no deserto de suas aflições e incompreensões, chorando em silêncio.
Terra, meu lar e prisão, sítio de desatinos e crueldades, e de belezas ímpares ! Seus filhos equivocados, duelam, se rebelam, se alvoroçam, presos a falsos conceitos sem ideais. Rastejam sobre teu solo, perdidos e carentes de sentidos, mortos vivos desenganados, constroem e se destroem em sucessivos erros, malogros e desdouros para sua própria raça; rechaçam a Natureza e te desrespeitam, mãe Terra ! Habitantes errantes, perdulários, se aprisionam atrás de mitos, seus gritos e sussurros amortecidos, reprimidos, da parte obscura planetária, são os seus fantasmas...Assassinos em nome da honra e da moral, acintes travestidos de comportamentos civilizatórios. Seus filhos, oh Mãe Terra, não te honram, não se veem, não se entendem, estão moribundos, cegos em labirintos, descrentes de valores reais... Nestes ermos padecemos nossas incúrias, purgamos as loucuras e vagamos alheios, erguendo fortalezas e acalentando os inimigos...tão íntimos !
...Feliz é a possibilidade da escrita, pelo menos fugimos aos escárnios de insanos, os que falam sozinhos por falta de interlocutores... Quem haveria de ouvir relatos sem pés e nem cabeças, entrecortados por pausas e reticências, num retalho/mosaico de desconexos assuntos ?... Lembremos que para nós, racionais, o que sai do ritmo, do aparente normal, não é levado a sério. Folga-me sabê-lo atento, meu imaginário amigo, ao meu dispor, e indispor. Ao sabor de meus humores, nem sempre hilários, alegres, por vezes ao inverso, iracundo e desalentado...É mais barato do que pagar profissionais, aqueles que fingem nos ouvir, e que pagamos, parecendo que estamos diante a um taxímetro correndo e nos preocupando com a despesa, nos avisando que o tempo acabou, de onde saímos com a sensação de vazio, nos bolsos. Tentam nos enriquecer o espírito empobrecendo-nos a matéria.
...Cansa-me as tardes, melancolias, salva-me os dias pelas manhãs promissoras e me rendem as noites no torpor do sono ou na inquietude das insônias... Dias há, de sol e luz, noutros tempos escuros, eu ainda me procuro, aonde me perdi, em que esquina ou beco ? Ainda a criança assustada com o correr dos dias, fruto verde sujeito ao farfalhar das folhas sob os ímpetos das ventanias... Abismado com o suceder dos fatos, como se alheio ao burburinho ao redor, solitário em plena multidão. Somos ambulantes, carregamos sonhos, fantasias e utopias. Colecionamos fetiches e alegorias, mercadejamos ilusões para nos sentirmos sãos...Sanidade periclitante, hesitante, dúbia, angustiante... Fugimos da raia, do fio da navalha de nossas duvidosas certezas e angústias. Preferimos a fuga nas lutas renhidas de um eterno amanhã, carregando o fardo hoje presente..
...Não quero somar lágrimas ao mar melancólico e estéril dos tristes e deprimidos, creio que nesse sentido seja até otimista, o que me angustia é esta rebeldia de não ceder aos fatos, tampouco saborear as frases feitas de eternos incentivos: viver é remar, indiscutível, rememos, rememos... Como em um pêndulo binário, diria bipolar, num vaivém, no dizer dos especialistas, ora nas nuvens, ora no chão . Não se assuste, por isso você foi imaginado, não tens a opção de me deletar e nem de virar a página, resta me aturar, prometo ser breve, pois também me entedia falar com a imaginação, sem retornos. Pena não poder criar uma companheira, uma fêmea para meus pensamentos e atos. profanos e impudicos, não bastaria imaginar coisas, haveria a necessidade do tato, do cheiro, da carne perfumada, dos lábios, e de tudo o mais, seria uma frustrante compensação solitária...
....Algo há a mais que nos distinga da animal condição de sobrevivência, nos alimentarmos, procriarmos, defecarmos e esperarmos as coisas em calmarias, ou ainda, amontoarmos moedas na esperança de mansa velhice...Mas me entontece tanta certeza, tantos manuais e filosofias, tantas crendices, resta-me, para ser ouvido, tentar ser lido, em sintéticas palavras, sem me ater ou preocupar-me com a audiência...A criação concebida tem vida própria, apartada de seu criador, abstraída da origem.
...Não lhe tomei o seu tempo, aturdido como todos, nas azáfamas de suas rotinas, como cães correndo atrás do próprio rabo, elencando motivos para dar rumo e sentido...És apenas uma ilusória companhia, da qual, inclusive, sem querer magoá-lo,( não sou ingrato !), posso desistir como se de fato nem tivesse existido em meus pensamentos. Não fique triste, por ora continuaremos nossa conversa, digo neste monólogo, onde eu falo e você ouve... É prazeroso não ser contraditado, na vida real somos interrompidos a todo momento, a carência de ser ouvido é geral, por vezes nos aturamos como regra inevitável da civilização, mesmo se desligando do momento, fingindo interesse. Mas a nossa relação não dá espaço para essa hipócrita atenção, autoritariamente eu me expresso sem ter contestações. Basta as regras da boa conduta, o bom comportamento, a educação de monitorar as próprias falas sem exacerbar nos gestos e nos sentimentos... Afinal, você é apenas um pretexto para não me chamarem de louco que fala sozinho...
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