Achei que eu era poeta, ou coisa parecida. Nunca pensei que minha poesia fosse parte do objeto e não do sujeito, do outro, e não de mim.
Pequei o pecado capital mais insolente: o da soberba. Senti na carne o desespero de não mais ser. Perdi a esperança e perdi a mim mesmo.
Nunca saberei se escrevi alguma coisa ou se fui escrito; nunca -na solidão do não-ser, sentirei paz; o néctar que nasce no âmago do espírito virou coisa do passado, insosso, amargo, irremediavelmente sem graça, e não por causa de mim, mas por aquilo que deixei de ser.
Não me arrependo; não tenho direito ao arrependimento porque nasci sabendo que isto um dia aconteceria. Mas desde o alto de minha estúpida soberba não me dei conta de que seria agora, neste instante.
Não existe o tempo -me dizem os que pensam que sabem. Só tem a eternidade que brinca de fazer-nos crer no temporal da vida. Só existe o eterno e o amor.
E eu, amei? O sentimento poético que brotava a borbotões do meu peito, era verdadeiro amor?
Dizem que o amor que ama não conhece fronteiras; não pode enclausurar-se em um só coração e em um espírito único. Ele transcende o tempo e o espaço e se projeta pelo universo inteiro. Dizem...
Oh dádiva divina! Quem desse poder tão só por um instante amar assim! Quem pudesse irradiar amor qual estrela-pulsar que permeia tudo! Quem pudesse ter a graça de ser tão humanamente perfeito que não sofresse a perda do amor correspondido!
E eu, ser imperfeito no amor, na vida e no tudo, ainda amo a quimera do apego imaterial de quem já não está conosco. Oh carne sem carne que incentivaste meu egoísmo de amar-me por amar-te!. Oh espírito errante que nem sei se me escutas, mas mesmo assim te falo, na esperança de que alguém te conte o que estou sofrendo!. E sofro mais por saber que sofro por mim mais do que por ti!. Oh egoísmo de amor sem limites!
Dizem os que pensam que sabem, que a súplica dedicada à alma que não possui corpo, atrasa seu caminho. - Qual caminho, meu bem, se nunca na vida andastes um passo sequer longe de minha companhia; ...nem eu andei sem a tua. Qual caminho?
Viestes a este mundo, primeiro, e te fostes primeiro também. Sorte tua de não ter que ficar angustiando dias, permanecendo noites em claro, amargando prejuízos morais, confortando seres pela tua ausência que dói.
 
Se ao menos tivéssemos a certeza do eterno futuro... Se ao menos com um abrir e fechar de olhos percebêssemos tudo, não haveria mais angustia nem aflição, e poderíamos dedicar o resto de nossos dias a procurar-nos novamente; ou então a abandonar-nos ao acaso e permitir-nos a escolha de ser ou de não mais ser.
Ainda estamos juntos?
Não sei mais se te sinto dentro de mim ou se nos dois estamos fundidos e amalgamados no holocausto da ilusão. Não te fostes completamente; boa parte de ti ainda permanece agarrada a minha alma, ou coisa parecida. Ou tal vez eu fui junto e não percebi.
Nunca pensei que minha poesia precisasse tanto de tua presença para sair do meu íntimo. Nunca pensei que a minha poesia eras tu!
Mas mesmo assim, escrevo; não na pretensa ilusão de transformar em poesia estas letras que juntas correm a formar um texto, mas para consolo íntimo e fugaz da alma.
Sinto-te em mim mas sei que não estás. Oh ilusão do apego que pretende manter para sempre a vida, sabendo que isto é impossível!  Sempre foi...
A morte tem boa memória e nunca esqueceu ninguém. Os que ultrapassam o limiar e enfrentam a extinção do corpo físico, afrontam outra realidade. Os que ficam do lado de cá, sofrem a perda, a solidão, a angústia e o vazio existencial.
Não tem que ser assim! Não há direito de ser assim!
Quem é que pode encarar a vida carregando um cadáver nas costas? Quem é que consegue andar com uma bolsa de lembranças a tiracolo? Quem é que já não pediu ao divino ajuda para sobrelevar este peso?
Coragem...  Há que pedir coragem para esquecer e descarregar o fardo numa esquina qualquer. Que as lembranças de cada objeto compartilhado sejam banidas do coração. Quem poderá censurar este feito?  Quem, em são juízo, criticará esta ação?
Continuamos vivendo e esperando. O mesmo irá a acontecer conosco. E assim, sucessivamente, até o fim dos tempos.
É a lei; a terrível lei que devemos suportar com estoicismo para não desfalecer. A lei que nos iguala, que nos coloca no mesmo antro, na mesma situação, no mesmo desespero. A lei que nos torna humanos...
Quem pudesse desumanizar o mundo para evitar sofrer!  Quem pudesse possuir um coração diferente para cada dor...!  e arrancá-lo e enterrá-lo junto ao morto para não mais padecer...
Ah, se eu verdadeiramente fosse poeta, bem que tentaria!  

Mas não sou...

Héctor Enrique Giana
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